O TRIBUTO: PRESCRIÇÃO E A LEI COMPLEMENTAR 118/05 – ASPECTOS MATERIAIS E PROCESSUAIS DO TEMA

Conteúdo do Artigo: 

FLÁVIO AUGUSTO MARETTI SGRILLI SIQUEIRA

Advogado, Mestrando em Direito Penal e Tutela dos Interesses Supra-Individuais na UEM, Especialista em Direito e Processo Penal pela UEL; Articulista de Revistas e Sites Jurídicos.

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA

Magistrado, Mestre em Processo Civi pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUCCAMP, Professor Universitário (UNIPINHAL e Conferencista do Grupo LFG e de Escolas Superiores de Advocacia do Estado de São Paulo) e autor de artigos em Revistas e Sites Jurídicos.

 

SUMÁRIO: I.) INTRODUÇÃO; II.) DA PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E O DIREITO INTERTEMPORAL;  2.1.) A HIERARQUIA EXISTENTE ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA; 2.2.) O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL COMO LEI COMPLEMENTAR; 2.3) A CITAÇÃO COMO ELEMENTO ESTABILIZADOR DA LIDE E GARANTIDOR DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO; 2.4.) A LEI COMPLEMENTAR 118/05 E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA: 2.5.) A ANTINOMIA NA PRESCRIÇÃO ENTRE O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL; 2.6.) A ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO MAGISTRADO DECRETANDO A PRESCRIÇÃO DA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. II.) A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE COMO MEIO DE ARGÜIÇÃO DA PRESCRIÇÃO NAS EXECUÇÕES FISCAIS. IV.) CONCLUSÕES. V.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

 

I.) INTRODUÇÃO:

 

                       

O exame do tema proposto não pode deixar de passar de atentar para o fato de que, diante do fenômeno da globalização econômica e tecnológica, o âmbito das ciências em geral passou a ser dominado por um fenômeno de complexidade das relações, cuja nota característica tem sido a interdisciplinariedade.

 

E em se cuidando de um fenômeno global isso, pelo óbvio, se transpõe para o âmbito da ciência jurídica, que, cada vez mais, tem sido influenciada por fatores externos ao direito, levando os seus operadores à uma análise mais intensa de fatores econômicos, sociológicos, políticos e tecnológicos que tendam a influenciar a forma de interpretação dos institutos, até porque, nesse contexto, as exigências do bem comum e os fins sociais a que a lei se destina, enquanto parâmetros a serem observados pelos juízes na aplicação da lei (artigo 5º, LICC) passam a ser conceitos cada vez mais voláteis, com contornos igualmente mutáveis na mesma velocidade e proporção do ritmo imposto pela referida globalização.

 

Assim, na medida em que o Estado deve estar atento à consecução de um número cada vez maior de objetivos, tendo que equilibrar suas contas, e na medida em que a diminuição de investimentos, sobretudo no âmbito social, se torna um solução cada vez mais distante pelo preço político a ser pago, o aumento da voracidade fiscal se torna um caminho muito tentador a ser trilhado pelo detentor do poder, pouco importando a sua matiz ideológica ou orientação partidária.

 

Sob tal perspectiva, se percebe que o Direito Tributário seja um dos setores do universo jurídico no qual o Estado passe a ter mais interesse, vez que através dele, angariam-se receitas para a manutenção das estruturas mínimas da sociedade, realizar a prestação adequada de serviços públicos, e, dessa sorte, conduzir os investimentos necessários para o crescimento do país, nesse ambiente de Estados cada vez mais competitivos, com o encurtamento de fronteiras imposto pela globalização.

 

                        Neste passo, firme é o posicionamento estatal em sempre procurar arrecadar mais através das exações tributárias e, noutro lado, os contribuintes sempre socorrerem ao Poder Judiciário como instrumento garantidor das liberdades públicas, dentre estas, os pilares de sustentação do sistema tributário nacional (em ultima ratio, tal Poder Estatal, portanto reflexo da soberania estatal detém para si a guarda da ordem constitucional, tendo, justamente, por fundamento político de sua existência, como preconizado por Ada Pellegrini Grinover[1] et alii, a atribuição de decidir, de forma imparcial, conflitos intersubjetivos, imparcialidade esta a ser preservada mesmo diante do Estado quaestor no exercício de suas prerrogativas de arrecadação).

 

Daí o relevante papel do Poder Judiciário, no âmbito fiscal, em que, às mais das vezes, por juízos de proporcionalidade e razoabilidade, na resolução de antinomias aparentes, deverá fazer prevalecer os limites protetivos que a Constituição estabelece para a contenção do que pode ser entendido como essa voracidade tributária, sendo relevante a observação mais detida das formas de defesa do contribuinte em relação ao Fisco, eis que, em ultima ratio, como preconizavam os federalistas ingleses a respeito do tema no taxation without representation, a representar a idéia de que somente nos termos da representação constitucional exercida, o Poder Público poderá exercer legitimamente suas pretensões (eis que, fora desses limites começaria o transbordar de um Estado de Direito para formas totalitárias de exercício de poder que, lamentavelmente, tem sido observadas em alguns países da África e da América Latina, com seus arremedos de ditaduras constitucionais, como tem sido fartamente destacado pelos meios de comunicação de massa, os mass media).

                        A Lei 118/05 representou um avanço para a sociedade, no que pertine a facilitação da circulação da riqueza, pois regulamentou preceitos, até então, lacunosos que advieram com a Lei 11.101/05, tal qual, a alteração do artigo 133, CTN.

Mas, de se gizar que, a referida lei também representou uma carga de gravame para o contribuinte ao consolidar preceito da Lei 6.380/80 atinente a interrupção do crédito tributário, ao qual se foca o olhar para discorrer a respeito do tema em comento, a justificar a atualidade do presente estudo.

 

II.) DA PRESCRIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E O DIREITO INTERTEMPORAL:

 

2.1.) A HIERARQUIA EXISTENTE ENTRE LEI COMPLEMENTAR E LEI ORDINÁRIA:

Alexandre de Moraes leciona no sentido de que a lei complementar apresenta dois planos de diferenciação em relação à lei ordinária, a saber, materialmente e formalmente porque: "somente poderá ser objeto de lei complementar matéria taxativamente prevista na constituição, enquanto todas as demais matérias deveram ser objeto de lei ordinária." Formalmente, "enquanto o quorum de lei ordinária é de maioria simples(art.47 CF), o quorum para aprovação de lei complementar é de maioria absoluta( art. 69)" [2].

                        Miguel Reale expõe no sentido de que a lei complementar consiste em um "tertius genus de leis, que não ostenta rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devem comportar revogação(perda de vigência) por força de qualquer lei ordinária superveniente" [3].

 

                        A Constituição quando traçou esse fator diferenciador nos preceitos legislativos, não o fez aleatoriamente, mas sim, com o fito de concentrar para as leis complementares matérias de maior importância e jaez, tal em função do seu quorum qualificado e separação constitucional de matérias que a permitem.

 

Relegando, dessa sorte, as leis ordinárias todas as matérias remanescentes que não se enquadrem na reserva constitucional das leis complementares ou das emendas constitucionais por cuidarem de matérias menos densas, mais simples e que necessitem de um processo legislativo mais simplificado e célere.

 

O poder constituinte realizou tal descriminação para que houvesse uma espécie legislativa intermediária entre a Lei Complementar e a Lei Ordinária, já que não se pode negar que, mesmo diante de desafios de complexidade impostos nesta era globalizada, o ordenamento jurídico pátrio não perdeu sua matiz kelseniana, eis que ainda se encontra fundado no sistema de hierarquia de normas, no qual as normas hierarquicamente superiores conferem validade às que lhe forem hierarquicamente submissas[4].

 

2.2.) O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL COMO LEI COMPLEMENTAR:

 

                        O Código Tributário Nacional foi originalmente concebido como lei ordinária, mas o constituinte de 1988, munido da força política e jurídica que lhe é peculiar, aproveitou para conferir a algumas normas do CTN o caráter de serem normas ordinárias, mas com natureza jurídica eminentemente complementar, vez que os principais excertos só poderão ser modificados pela via da lei complementar.

 

                        Assim, o CTN foi recepcionado com natureza complementar, malgrado seja formalmente ordinária, portanto, passou a ser modificável apenas pelo meio de leis complementares, e, isso foi uma opção política do legislador constituinte, o qual veda que os intérpretes ofereçam as leis ordinárias, desconsiderando a existência de eventual desnível legislativo oferecido em prol da lei complementar pelo constituinte.

 

                        Hugo de Brito Machado explica: “Na verdade, o Código Tributário Nacional continua sendo uma lei ordinária. Ocorre que ele trata de matéria que, hoje, está reservada a lei complementar. Matéria que hoje somente por lei complementar pode ser tratada. Assim, é evidente que seus dispositivos que tratam de matéria privativa de lei complementar, só por essa espécie normativa podem ser alterados”[5].

 

                        Luciano Amaro expõe: “Ocorre, porém, que, exigindo a nova Constituição um modelo legislativo diferenciado, para cuidar das matérias reguladas na lei anterior, a alteração da disciplina legal dessas matérias passa a só poder ser tratada nos moldes da nova forma constitucionalmente definida, o que põe a lei anterior no mesmo nível de eficácia da norma que a nova Constituição exige para cuidar daquelas matérias”[6].

 

2.3) A CITAÇÃO COMO ELEMENTO ESTABILIZADOR DA LIDE E GARANTIDOR DA AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO:

 

                        A citação, por ser o ato onde o Estado-Juiz conclama o réu a integrar a relação jurídico-processual e defender-se, é um marco importante no firmamento da ordem jurídico-democrática do país.

 

                        Institui, portanto, um postulado de ordem rígida que vela pelo efetivo conhecimento pela parte contrária de que existe uma demanda aforada contra si, oportunizando-a a faculdade de excepcionar lato sensu o pleito formulado em seu desfavor (ou seja, o conhecido exercício do direito de exceção, enquanto defesa processual, de mesma intensidade, mesma direção e sentido contrário ao do exercício de direito de ação constitucionalmente assegurado a quem se julgar em situação de lesão ou ameaça de lesão a direito que lhe é próprio).

 

                        O artigo 219, CPC aponta importantes reflexos de direito material e processual, sendo certo que seus efeitos são projetados no ordenamento jurídico quando realizada efetivamente, dentro das suas mais variadas espécies determinadas na lei processual, não se podendo esquecer que a citação, enquanto pressuposto do exercício do constitucional direito de defesa, acaba por ter tal relevância no ordenamento técnico processual que tem a mesma status de pressuposto processual de existência processual (vale dizer, se a mesma não ocorrer pelas vias tecnicamente estabelecidas, a relação jurídica processual tende a ser vista como inexistente em relação ao requerido, de sorte tal que, nessas condições, como qualquer ato jurídico precisa antes existir para que se possa cogitar de sua validade e eficácia, se a citação não operar seus regulares efeitos, os atos processuais praticados serão tidos por inexistentes, não se formando qualquer espécie de preclusão naquele processo em relação à parte prejudicada, nem mesmo a preclusão máxima ou coisa julgada – res judicata, não sendo desconhecida a teoria da querela nulitatis insanabilis a esse respeito).

 

Nesses termos, e sob tal perspectiva, processos fiscais em que não se tenha verificado a regularidade da citação (nas hipóteses em que não se puder ter observado a convalidação de atos, por exemplo, nos termos dos artigos 214 e 244, ambos do Código de Processo Civil, verbi gratia), são insuscetíveis de gerar o fenômeno conhecido por coisa julgada, permitindo, mesmo após o lapso de propositura da ação rescisória (artigos 485 e seguintes úteis do Código de Processo Civil), a revisão de julgados (nesse caso, como exposto acima, o comando jurisdicional será tido como ato processual inexistente por falta de pressuposto processual essencial), por ações ordinárias declaratórias negativas (da referida existência), perante o juízo comum monocrático.

 

Ademais, a normativação processual é cintilar ao dispor que o ato de chamamento do réu ao processo deva ser pessoal e, sempre que possível, real, no sentido de que seja efetivamente praticado, para que sejam oferecidos ao ato emanado do juízo incompetente os referidos efeitos e, tal se dá, em virtude de termos relações jurídicas em que paire intrincada questão de competência e por haver uma celeuma a despeito do juízo competente, a lei preserva os direitos daquele que aforou a ação, tendo em vista a preservação de seus direitos por estar em hipótese de boa-fé e não incorrendo em erro crasso na eleição da justiça competente.

   

O Código de Processo Civil, apenas para que se introduza à baila a questão a ser ventilada adiante, em momento algum faz qualquer menção ao mero ato que determina a citação, mas traz como preceito necessário à efetivação da citação, sendo que tal hipótese prevista na Lei de Execução Fiscal foge aos preceitos comuns a sistemática processual.

 

2.4.) A LEI COMPLEMENTAR 118/05 E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA:

 

Posteriormente, a Lei Complementar 118/05 veio a lume e consagrou o preceito outrora traçado na Lei 6380/80, portanto, suprimiu o vício de inconstitucionalidade formal.

 

Mas, a norma tributária que altera o prazo para cobrança de crédito tributário, por aumentar o potencial de exação do Fisco, há de ser compreendida e interpretada com cautela.

 

A lei complementar supramencionada foi elaborada para ser um diploma legal eminentemente interpretativo, vez que visou integralizar os preceitos que envolvam o Direito Tributário e a nova Lei de Falências e Recuperação Judicial, que, aliás, apenas pelo modo de sua elaboração para alterar o CTN (Lei complementar) já revela a inconstitucionalidade da Lei de Execução Fiscal quanto a estes aspectos.

 

A jurisprudência entende que a Lei 118/05 é de caráter interpretativo conforme disposto no presente Julgado que se pede vênia para transcrever:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - VERBAS INDENIZATÓRIAS - PRESCRIÇÃO - TESE DOS "CINCO MAIS CINCO" - ORIENTAÇÃO DA PRIMEIRA SEÇÃO - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - INADMISSÃO - SÚMULA 168/STJ - LC 118/2005 - APLICAÇÃO RETROATIVA - IMPOSSIBILIDADE - AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

Por outro lado, mesmo que afastado esse óbice, cumpre ressaltar que esta Primeira Seção, no julgamento dos EREsp 327.043-DF - sessão do dia 27.4.2005 -, sufragou o entendimento de que as disposições da LC 118/2005 não possuem caráter interpretativo, pois representam inovações no plano normativo, razão pela qual não podem ser aplicadas retroativamente[7] (g.n).

Paulo Sigaud Cardozo e Maria Luiza Rennó Rangel explicam: “Assim, resta claro não se admitir que a Lei Complementar nº 118/2005, a título de veicular norma interpretativa, inove no ordenamento jurídico com inobservância de preceitos estruturantes do sistema tributário nacional e em clara desobediência aos ditames constitucionais, sendo certo que, se por um lado é lícito ao legislador efetuar alterações na legislação, por outro lhe é vedado atingir as relações jurídicas pré-existentes, instaurando a insegurança jurídica e tornando letra morta o texto constitucional”[8].

 

A Lei 118/05, contudo, foi além do proposto, pois alterou preceitos de direito material que não detinham caráter eminentemente interpretativo e ela foi incluída no ordenamento jurídico, modificando dispositivos de direito tributário material, no meio do ano fiscal, em clarividente desrespeito ao princípio da anterioridade tributária.

 

A Lei tributária apenas retroage quando aplacar alguma das hipóteses encartadas no artigo 106, CTN, e, certo está que a lei interpretativa (Lei Complementar 118/05) não retroagirá nestas hipóteses por encontrar a prescrição fora do alcance da norma.

 

José Eduardo Soares de Melo leciona:

As denominadas leis interpretativas não poderiam encontrar espaço no ordenamento jurídico, uma vez que a tarefa de desvendar o sentido da norma constitui matéria cometida ao seu intérprete (doutrinador, destinatário, judiciário), em razão do âmbito da lei (regular comportamentos, qualificar situações). Considerando sua existência no mundo jurídico, de longa data já se verberou que lei interpretativa é ou pode ser entendida como correção da lei interpretada, pelo menos no sentido de sua complementação, porque terá reconhecido que a lei interpretada carecia de regulamentação, porque terá reconhecido que a lei interpretada carecia de esclarecimento por ser omissa ou obscura, ou confusa. Embora possam revelar utilidade, são desprovidas de legitimidade para alterar os comandos da norma de que se originam, muito menos podem violar os diversificados preceitos constitucionais tributários, e sequer impor sanções aos contribuintes que tenham agido de forma descoincidente daquela contida na nova lei interpretativa[9] (g.n).

 

A Lei complementar 118/05 foi publicada em 09/02/2005 e alterou o artigo 174, § único, I, CTN, donde o texto de lei passou a conter preceito donde o simples despacho do juiz determinando a citação já era o suficiente para interromper o curso do lastro prescricional.

 

A alteração obedeceu ao princípio da legalidade, vez que realizada pelo meio legislativo cabível para alteração do CTN, mas ao modificar a causa interruptiva da prescrição atuou em favor do fisco, pois este passará a ter um lapso maior de tempo para a cobrança do tributo.

 

Essa regra, além de inconstitucional por representar atentado a garantia da ampla defesa e contraditório, também afronta o princípio da anterioridade com o fisco passando a deter prazo maior para a cobrança do tributo em detrimento da regra anterior.

 

Ruy Barbosa Nogueira preleciona que:

Em face das disposições constitucionais vigentes não pode existir lei interpretativa que, expressa ou implicitamente  crie,  retroativamente, obrigações onerosas. Estas somente são válidas para o futuro. A Constituição não lhe dá competência, antes lhe veda, de modo expresso, dispor retroativamente contra as situações definitivas do direito adquirido,  do ato jurídico perfeito ou da coisa julgada. Em face desse contexto, ,o legislativo ordinário não pode criar tributo, penas ou ônus, retroativamente,  prejudicando o direito adquirido, o ato jurídico perfeito ou a coisa julgada. Disso resulta que o item I do art. 106 somente pode ser entendido dentro do poder de autolimitação que tem o Estado, ,porque a interpretação autêntica, no campo tributário, somente pode esclarecer dúvidas sem qualquer agravo. Em princípio não pode, retroativamente, criar ou majorar tributos, penalidades,  ou ônus ao contribuinte. Em síntese não pode, gravosamente, retrooperar no campo dos elementos constitutivos do fato gerador que é de direito material, mas poderá como medida de política tributária e dentro da autolimitação dispor sobre aspectos de eqüidade, remissão, anistia, enfim de suavizações, jamais de agravações retroativas em relação às obrigações tributárias principais[10].

 

A interpretação conforme a Constituição é um instrumento de hermenêutica jurídico constitucional utilizado para dar conformidade ao texto infraconstitucional com a norma da Constituição da República para que extraído o significado exato do preceito da lei, de modo compatível e válido, para a manutenção da validade da norma jurídica.

 

Assim, o artigo 174, § único, I, CTN deve ser interpretado em simetria com o princípio da anterioridade tributária com a aplicação da novel forma de interrupção prescricional dando-se a partir do próximo ano fiscal e aos tributos cujo fato gerador tenha ocorrido aos auspícios de sua entrada em vigor e devidamente lançados, na obediência estrita do artigo 105 e 106, CTN.

 

A jurisprudência não destoa desse entendimento, consoante acórdãos desse ano do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - artigo 174 DO CTN - TRANSCURSO DE 05 (CINCO) ANOS APÓS A CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO - AUSÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA - artigo 2º, parágrafo terceiro DA LEF (SUSPENSÃO PELO PRAZO DE 180 DIAS) E LC 118/2005 - INAPLICABILIDADE. –

A teor do disposto no artigo 174, caput, do CTN, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos contados de sua constituição definitiva. - Decorrido o lapso legal sem que se tenha logrado êxito em efetuar a citação válida do devedor, deve ser declarada a prescrição da ação de cobrança do crédito tributário e extinta a execução fiscal. - A suspensão do prazo prescricional prevista no artigo 2º, parágrafo terceiro da Lei de Execução Fiscal não se mostra aplicável nas execuções fiscais de crédito tributário, uma vez que as normas gerais de matéria tributária são afetas à lei complementar, nos lindes do artigo 146, III, da CR/88. - É inaplicável o artigo 174, parágrafo único, inciso I do CTN, com a redação que lhe foi dada pela Lei Complementar 118/05, às execuções fiscais nas quais já havia sido proferido o despacho citatório antes de sua entrada em vigor.

Como se vê, a controvérsia posta nos autos encontra-se circunscrita à ocorrência ou não da prescrição do crédito tributário que deu origem à ação de execução fiscal em apenso.

Para tanto, impõe-se observar, antes de mais nada, a data da constituição do crédito tributário e não aquela em que ocorreu a inscrição da dívida ativa, uma vez que o artigo 174, caput, do CTN é expresso no sentido de que "a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva", sem olvidar que a aludida constituição se dá com o lançamento, conforme dicção do artigo 142, caput, do CTN.

A propósito, confira a doutrina dominante acerca do assunto:

"Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição. A contagem do prazo tem como ponto de partida a data da constituição definitiva do crédito, expressão que o legislador utiliza para referir-se ao ato de lançamento regularmente comunicado (pela notificação) ao devedor". (Paulo de Barros Carvalho, in Curso de Direito Tributário, 17. ed., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 470/471)

Tratando-se de IPTU, é sabido que o seu lançamento se dá de ofício (artigo 149, I, CTN), uma vez que a autoridade municipal dispõe, antecipadamente, de todos os dados relativos à ocorrência do fato gerador e à identificação do sujeito passivo, o que lhe possibilita efetuar o lançamento independentemente de qualquer ingerência do contribuinte.

Todavia, o prazo prescricional previsto para a Fazenda Pública ingressar com ação executiva contra o contribuinte somente começa a fluir quando o sujeito passivo é compelido a satisfazer a dívida, quando, então, reputa-se definitivo o lançamento do tributo.

Nesse sentido:

"Para fins de cobrança de crédito de IPTU, conta-se o prazo a partir da inequívoca notificação do contribuinte, quando, então, o lançamento será tido como válido" (STJ - Resp. 478.853/RS, 1ª Turma, rel. Min Luiz Fux).

"O IPTU é tributo cujo lançamento é realizado de forma direta, ou seja, de ofício, visto que a Fazenda Pública dispõe das informações necessárias à constituição do crédito tributário, sendo a notificação do sujeito passivo realizada por meio do carnê de recolhimento, procedimento que torna eficaz o referido lançamento. O contribuinte ao receber o carnê de recolhimento, torna o lançamento definitivo, começando a fluir o prazo de cinco anos para que a Fazenda Pública possa interpor a ação de cobrança do crédito tributário, a teor do que preconiza o artigo 174 do CTN. No caso em tela, a constituição definitiva do crédito deu-se em 01/01/1997, tendo a citação da executada ocorrido somente em 11/02/2003, restando prescrito o direito da Fazenda em proceder a referida cobrança. Precedente: Resp 648.285/PB, Min. José Delgado, DJ 28/03/2005" (STJ - Resp. 774.928/BA, 1ª Turma, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 19.12.2005)

"Em suma, tratando-se de IPTU, a notificação ocorre com o envio da guia de recolhimento do imposto, via correio, quando então dá-se informação, ao contribuinte, a respeito do débito existente, informando-lhe a data para o devido pagamento". (TJMG - Ap. Cível 1.0000.00.254388-2/000, 3ª Câmara Cível, rel. Des. Schalcher Ventura, DJ 07/02/2003)

Impõe-se, pois, averiguar a data em que o apelado recebeu o carnê de cobrança do IPTU para se chegar ao termo a quo do prazo prescricional qüinqüenal a que alude o artigo 174, caput, do CTN.

Compulsando detidamente os autos, não pude encontrar qualquer documento capaz de evidenciar a data da efetiva notificação do executado, razão pela qual se reponta de bom alvitre fixar como dies a quo do prazo prescricional a data inicial de incidência de juros de mora e correção monetária constante da CDA de f. 03, qual seja, 16/01/2001, uma vez que restou evidenciado que, a partir desta data, o contribuinte já se encontrava em mora perante a Fazenda Pública, certamente por ter deixado de observar o prazo para o pagamento voluntário do imposto.

Feitas tais considerações, cediço é que, a teor do disposto no artigo 174, caput, do CTN, a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em 05 (cinco) anos contados de sua constituição definitiva.

O mesmo dispositivo legal elenca as hipóteses em que tal lapso é interrompido, dentre as quais, a citação pessoal do devedor, conforme disposto no inciso I, segundo a redação vigente à época do ajuizamento da presente execução.

Desta feita, forçoso concluir que, se desde a data da constituição do crédito tributário houver transcorrido o lapso legal sem que a Fazenda Pública tenha logrado êxito em realizar a citação pessoal do devedor, opera-se a prescrição da ação de cobrança do crédito, devendo, por conseguinte, ser extinto o feito executivo.

Pois bem. Na hipótese em exame, não houve citação pessoal do devedor no bojo dos autos e, tendo transcorrido mais de 05 (cinco) anos desde a data da constituição definitiva do crédito sem que tenha se verificado qualquer causa interruptiva ou suspensiva do prazo prescricional, mostra-se acertada a decisão primeva que extinguiu o feito executivo em 08/03/2007.

Quanto à alegada suspensão do prazo prescricional por 180 dias em razão da inscrição do débito em dívida ativa, conforme previsão contida no artigo 2º, parágrafo terceiro da Lei nº 6.830/1980, não vejo como deixar de reconhecer a supremacia do artigo 174 do CTN, uma vez que esta lei foi recepcionada pela Constituição da República com status de lei complementar, tendo em vista a redação do artigo 146, III, da CR/88, que dispõe expressamente que cabe a esta espécie normativa estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.

Aliás, o próprio artigo 146, III, "b" é expresso no sentido de que as normas relativas à "obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários" são afetas à lei complementar, o que implica dizer que a LEF não é capaz de se sobrepor ao artigo 174 do CTN, sendo certo que a suspensão a que alude o seu artigo 2º, parágrafo terceiro mostra-se aplicável apenas nas hipóteses de créditos de natureza administrativa.

Deste posicionamento não discrepa a jurisprudência desta Corte:

"Se a execução fiscal tem por objeto crédito de natureza tributária, aplicam-se as regras relativas à suspensão e interrupção da prescrição previstas pelo Código Tributário Nacional, especificamente em seu artigo 174, que prevalecem sobre o regramento da Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80), tendo em vista seu caráter de Lei Complementar." (TJMG - Ap. Cível nº 1.0024.98.151835-0/001 - relª. Desª. Albergaria Costa - j. 06.04.2006)

"A suspensão prevista no parágrafo terceiro do artigo 2º da Lei nº 6.830/80, bem como a interrupção de que trata o seu artigo 8º, parágrafo segundo, não são eficazes em relação às dívidas que se sujeitam às regras do artigo 174 do Código Tributário Nacional". (TJMG - Ap. Cível 1.0024.98.059967-4/001, rel. Des. Almeida Melo, j. 22.09.2005)

Tampouco se pode invocar a aplicação do artigo 174, parágrafo único, inc. I do CTN, com a redação que lhe foi dada pela LC 118/05, pois o despacho citatório de f. 05 foi proferido antes de sua entrada em vigor, sendo certo, ademais, que a norma não pode retroagir para alcançar atos pretéritos.

Assim:

"A Lei Complementar nº 118/2005, que alterou a redação do inciso I, do artigo 174, do CTN, não pode retroagir para alcançar situações anteriores à sua vigência. Negar provimento ao recurso." (TJMG, Ap. Cível nº 1.0024.99.167234-6/001, Relatora: DES. ALBERGARIA COSTA, Data do acórdão: 11/05/2006)

E nem se argumente pela aplicabilidade do artigo 40, parágrafo quarto da LEF, uma vez que não se trata, in casu, de prescrição intercorrente, mas sim do próprio crédito tributário.

Diante de todo o exposto, nego provimento ao recurso, mantendo incólume a sentença de primeiro grau.

Custas recursais ex lege[11].

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - RECONHECIMENTO DE OFÍCIO - POSSIBILIDADE

- A nova redação dada ao art. 219, § 5º, CPC, pela Lei nº 11.208/2006, confere ao Juiz a prerrogativa de pronunciar a prescrição, de ofício, mesmo a de natureza intercorrente.

- A alteração do art. 174, I, CTN, pela Lei Complementar nº 118/2005, não alcança processo que lhe é anterior e no qual a citação já foi ordenada.

- Hipótese em que, desde a data da propositura da ação executiva até a efetiva citação da parte transcorreu prazo superior a cinco anos[12].

 

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - ART. 174, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - REDAÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI COMPLEMENTAR 118/05 - INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO NA DATA EM QUE A CITAÇÃO FOI ORDENADA - NORMA DE CUNHO PROCESSUAL - APLICAÇÃO A FEITOS EM ANDAMENTO E EM RELAÇÃO A ATOS AINDA NÃO PRATICADOS - INOCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO COMUM – DECURSO DO QÜINQÜÊNIO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DECISÃO, QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO PROVISÓRIO - INOCORRÊNCIA - NÃO CONSUMAÇÃO DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE.

 

- À vista da alteração implementada pela Lei Complementar 118/05, veículo adequado para dispor sobre normas gerais de prescrição tributária (CR, art. 146, 'b'), na redação do artigo 174, inciso I, do Código Tributário Nacional, a prescrição do crédito tributário se interrompe quando da emissão de ordem judicial para a citação do executado, modificação legislativa que, por disciplinar matéria eminentemente processual, aplica-se aos processos em andamento e em relação a atos ainda não praticados até a sua entrada em vigor.

- O parágrafo 4º, do art. 40, da Lei nº 6.830/80, só autoriza a decretação, de ofício, da prescrição intercorrente, se desde a decisão, que ordenar o arquivamento dos autos, tiver decorrido o prazo qüinqüenal.

- Recurso provido[13].

 

 

                        Fortes são os argumentos empregados até agora, tanto que o próprio Superior Tribunal de Justiça também acolheu essa fundamentação para refutar a incidência imediata do novel artigo 174, § único, I, CTN a fatos originados antes de sua entrada em vigor:

EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE – DECRETADA DE OFÍCIO – POSSIBILIDADE – AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

 

A relação jurídica tributária, como não poderia deixar de ser, nasce com a incidência da norma jurídica tributária sobre o fato ocorrido no mundo real, fato este previsto na sua hipótese de incidência, sendo estabelecido um vínculo jurídico entre os sujeitos dessa relação, que passam a manter uma relação de direito-dever acerca de um mesmo objeto, qual seja, o tributo.

O sujeito ativo desse nexo abstrato goza de um direito de exigir a prestação ou cumprimento do dever jurídico imputado ao sujeito passivo. Noutro dizer, a obrigação tributária é vista como relação jurídica, a qual representa a eficácia jurídica de um fato, ou seja, a eficácia que desencadeia a incidência da norma sobre o suporte fático suficiente, previsto anteriormente, mediante um juízo hipotético de possibilidade, no interior dessa mesma norma. Ocorrente o suporte fático abstrato (Pontes de Miranda), ou hipótese como preferia Vilanova, há a incidência incondicional e infalível da norma, jurisdicizando o suporte fático suficiente, chacelando-o para adentrar no mundo jurídico, em que ocorre a produção de efeitos que irão interferir na zona material da conduta humana (Marcos Bernardes de Mello).

 

A realização da hipótese de incidência dá lugar à incidência da regra (ou preceito, como prefere alguns), a qual disciplina o caráter da relação jurídica formada. Pois bem. Essa relação jurídica, quando nasce, nem sempre vem dotada de toda sua eficácia jurídica. Divide-se esta em relações jurídicas de conteúdo mínimo, médio e máximo. Por muitas vezes, necessária a intercalação de ato administrativo da natureza dos vinculados para conferir força eficacial integral à relação jurídica tributária, atribuindo ao direito do sujeito ativo (crédito tributário) plena certeza e liquidez. Cuida-se do lançamento cujos contornos vêm delineados no art. 142 do CTN.

 

O tributo uma vez lançado está com sua constituição definitiva alcançada, inviável discutir-se a respeito da fluência do prazo decadencial, mas tão-somente surgem indagações sobre o fluxo prescricional, o qual admite interrupções que são aquelas previstas no parágrafo único do art. 174 do CTN., sendo oportuno transcrever tais hipóteses, especialmente a encartada no inciso daquele preceito, diante da redação que lhe deu a Lei Complementar n. 118/2005, verbis: "Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I - Pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LC n. 118. de 2005). II - Pelo protesto judicial; III - Por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - Por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor."

 

As hipóteses tanto de interrupção como de suspensão, ancoradas na Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/80), não são aplicáveis, senão vejamos: O Estado brasileiro adotou a forma federal, em que convivem harmonicamente entidades distintas e portadoras de autonomia como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Assim sendo, além de desfrutar de supremacia em relação às normas existentes no ordenamento jurídico, à Constituição cabe a tarefa precípua de delimitar rigorosamente o âmbito de atuação de cada um desses entes políticos, outorgando-lhes competência para produzir normas jurídicas disciplinadoras das suas autonomias constitucionalmente asseguradas. Nada obstante a exaustiva delimitação de competência traçada pela Constituição Federal de 1988, em que cada um dos entes federativos exerce sua atividade legiferante, editando preceitos normativos atinentes à ordem tributária, há a necessidade, em nome do Estado Nacional, de normatizar tal legislação produzida para efeito de padronizá-la. Não para suprimir a autonomia de cada um dos entes federativos, mas para evitar disparidades que ocasionem conflitos e uma má inteligência do sistema tributário nacional. Surgem, por conseguinte, as normas gerais de direito tributário, assim entendidas as "sobrenormas que, dirigidas à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, visam à realização das funções certeza e segurança do direito, estabelecendo a uniformidade do Sistema Tributário Nacional, em consonância com princípios e limites impostos pela Constituição Federal" (Eurico Marcos Diniz de Santi, Decadência e Prescrição no Direito Tributário, ed. Max Limonad, 28 edição, p. 89).

 

Nesse passo, a Constituição Federal de 1988 atribuiu à Lei Complementar a função, entre outras, de editar normas gerais sobre aspectos relevantes da gênese tributária. Eis o seu dizer: "Art. 146. Cabe a Lei Complementar: (...) III- Estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) Definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuinte; b) Obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) Adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; (...)."

 

Com efeito, observa-se que a Lei Complementar que edita normas gerais caracteriza-se como sobrenorma, ou seja, uma norma de como se produzir outras regras jurídicas. Sua eficácia impõe-se sobre as normas editadas pelos entes da Federação, trançando os contornos do Estado Nacional, delimitando, portanto, a forma de produção de tais normas. Reitere-se que não se pode, por este mecanismo, suprimir as autonomias federativas. O objetivo não é esse. Mas, na verdade, introduzir balizas que padronizem o Sistema Tributário Nacional, a fim de salvaguardá-lo das intempéries de conflitos e de sua má intelecção.

 

Entre as matérias que repousam sob abrigo da Lei Complementar, prevista no art. 146 da Constituição Federal, a qual é materialmente representada pelo Código Tributário Nacional, encontram-se os institutos da prescrição e decadência. Nesse compasso, o Código Tributário Nacional traçou os contornos essenciais de tais institutos, consoante a dicção dos arts. 173 e 174, impulsionando as esferas federativas no exercício de suas competências tributárias. À Lei Complementar incumbe estabelecer normas gerais sobre prescrição, ato-fato jurídico, consistente na inércia do titular de um direito aliada ao decurso do tempo.

 

No conceito de normas gerais encontram-se alojadas, com certeza, as causas interruptivas e suspensivas do prazo de prescrição, uma vez que tais causas necessitam ser uniformes na ordem jurídica nacional. Se assim não fosse, cada uma das pessoas políticas da Federação poderia sponte própria estabelecer as mais inimagináveis hipóteses de interrupção e suspensão do lapso prescricional, desvirtuando a finalidade constitucional de, em prestígio aos princípios da certeza do direito e segurança jurídica, conferir um padrão à legislação nacional. Seria o caos e a desordem, de forma que o contribuinte não teria segurança.

 

As causas tanto de interrupção como de suspensão encartadas na Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80), tem-se que por não restarem sublinhadas pelo Código Tributário Nacional não podem ser consideradas na exegese do instituto da prescrição, ou seja, a conjectura de que o despacho que ordenou a citação (art. 8°, § 2°, do CTN) interromperia a prescrição não prevalece.

 

Nesse sentido é o magistério de Leandro Paulsen (Código Tributário e Constituição à Luz da Doutrina e Jurisprudência, 38 edição, pp. 97 e 867), in verbis: "A questão do veículo legislativo adequado para dispor sobre prescrição e decadência em matéria tributária, até o advento da CF, era muito controvertida. A jurisprudência dominante procurava conciliar os dispositivos do CTN com aqueles constantes da LEF. Após advento da CF/88, com previsão expressa nesta alínea (refere-se o autor a alínea "b" do inciso 111 do art. 146 da CF/88) no sentido de que se trata de norma geral em matéria tributária, têm-se todos os elementos para afirmar, categoricamente, que estão sob reserva de lei complementar. O STF já firmou posição acerca da matéria, e o STJ, recentemente, tem se pronunciado no sentido de que os dispositivos da LEF não podem prevalecer em face do CTN. (...)." (grifos inexistentes no original). "Suspensão do prazo prescricional. Inscrição em dívida ativa. CTN x LEF. : art. 2°, § 3°, da LEF: diz da suspensão do prazo prescricional de 180 dias a contar da inscrição do débito em dívida ativa, incaplicável a : execução de dívida tributária, pois prescrição ntegra as normas gerais em matéria tributária, sob reserva de lei complementar, nos termos do art. 146, III, b, da CF, estando disciplinada pelo art. 174, do CTN, que não prevê a suspensão. (...)"

 

A jurisprudência pátria não discrepa desse entendimento, consoante se subtrai dos arestos abaixo transcritos, verbis:

 

PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO –INTERRUPÇÃO: CITAÇÃO EDITALÍCIA – POSSIBILIDADE. 1. Em execução fiscal, o art. 8º, § 2º, da LEF deve ser examinado com cautela, pelos limites impostos no art. 174 do CTN, de tal forma que só a citação regular tem o condão de interromper a prescrição. 2. O CTN não proíbe a citação por edital, restando disciplinadas as modalidades de chamamento na LEF que, em seu art. 8º, III, prevê que, não se encontrando o devedor, seja feita a citação por edital, que tem o condão de interromper o lapso prescricional. 3. No cômputo da prescrição deve-se considerar o lapso temporal decorrido entre a data da constituição definitiva do crédito tributário e a efetiva citação (no caso editalícia). 4. Inocorrência da prescrição in casu. 5. Recurso especial provido." (REsp 811.882/RS, Rel. Min. Eliana Calmon DJ 22.5.2006)

 

Superada a controvérsia levantada pelo agravado a respeito da possibilidade do despacho que ordena a citação e da inscrição em dívida ativa, nos termos da Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830) interromperem e suspenderem, respectivamente, o curso do prazo prescricional, incumbe volver os olhos para o caso dos autos e verificar se houve ou não sucessão da prescrição do crédito tributário em tela. Da detida análise do caso dos autos, observa-se que fora decretada de oficio prescrição intercorrente, em consonância ao art. 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei n. 6.830/83), o que não era inovação alguma, mesmo sendo tal prescrição de natureza patrimonial, esbarrando na literalidade do art. 219, parágrafo único. A admissão dessa tese é veiculada por meio do escólio de Wilney Magno de Azevedo Silva. Confira-se: "1. À semelhança da prescrição penal, a prescrição tributária apresenta: efeito de caducidade, porque extingue o crédito tributário (direito material). 2. Assim, tal como ocorre no âmbito penal, é possível ao juízo reconhecer, de oficio, a prescrição tributária. 3. É lícito ao juízo reconhecer, também de oficio, a prescrição em favor da Fazenda Pública, dada a indisponibilidade do interesse público. 4. O curador especial está habilitado a suscitar o exame da prescrição, na qualidade de representante judicial do réu, nas hipóteses do artigo 90, do Código de Processo Civil. 5. A dedução em juízo da alegação de prescrição prescinde da propositura de embargos do devedor, motivo por que pode efetuar-se nos próprios autos da ação de execução. 6. A prescrição tributária e de dívidas passivas da Fazenda Pública constitui objeção de pré-executividade, pelo que não sofre preclusão. 7. A prescrição tributária é tema de direito material e constitucionalmente reservado à disciplina de lei complementar, motivo da inconstitucionalidade das normas da Lei n.º 6.380/80 -nível legal ordinário - que dispõem acerca do mencionado assunto. 8. É juridicamente viável o reconhecimento da prescrição intercorrente, ante a inércia processual do autor da execução." Nesse compasso, cumpre ressaltar que o legislador, superado todo um debate acirrado, houve por bem esvair-se das dúvidas, mediante a introdução de um parágrafo no art. 40 da Lei de Execução Fiscal, reconhecendo a fluência de prescrição intercorrente em sede execução fiscal, verbis: "Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1 ° - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2° - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3° - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4° - Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo j prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de oficio, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-Ia de imediato. (Incluído pela Lei n° 11.051. de 2004). Dessa forma, guardando na retentiva que decorrera mais cinco anos entre a propositura da demanda fiscal, sem que se tenha promovida a citação do executado, visualiza-se que ocorrera a prescrição intercorrente.

 

Numa hipótese de viveiro não se pode avistar que a novel dicção do art. 174, parágrafo único, do CTN, na conformidade da Lei Complementar n. 118/05, seria aplicada para efeito de obstar a configuração da prescrição, pois raciocínio nesse sentido aniquilaria os dogmas do ato jurídico e do direito adquirido.  Com efeito, a nova Lei n. 118/2005 não se aplicaria no caso em tela, para fins de solapar a decretação de prescrição, sob pena de se ferir os mais comezinhos princípios constitucionais que alicerçam o edifício do Estado Democrático de Direito. Ante o exposto, conheço do recurso de Agravo de Instrumento, para negar provimento ao Recurso Especial” (g.n)[14].

 

Roque Antônio Carrazza leciona:

 

A regra geral, pois, é no sentido de que as leis tributárias, como, de resto, todas as leis, devem sempre dispor para o futuro. Não lhes é dado abarcar o passado, ou seja, alcançar acontecimentos pretéritos. Tal garantia confere estabilidade e segurança às relações jurídicas entre Fisco e contribuinte. A lei tributária, pois deve ser irretroativa. Tratando-se de lei que cria ou aumenta tributo, essa regra é absoluta,  isto é, não admite exceções[15].

 

                        José Eduardo Soares de Melo:

Postura equivocada se contém no CTN no que concerne a fatos pendentes, uma vez que a norma tributária só pode ser aplicada aos fatos geradores efetivamente ocorridos, isto é, quando tenham se verificado, no mundo real, todos os elementos constantes da norma tributária (sujeito ativo e passivo, materialidade, base de cálculo, alíquota). Observando-se determinação legal (período de apuração mensal, trimestral ou período do exercício social), o contribuinte tem o direito de ver-se tributado pela lei vigente (e eficaz) à época da ocorrência do fato gerador, pois, embora aconteça nas datas de aquisição das mencionadas disponibilidades, a legislação incidente deve ser conhecida antes do início deste mesmo período[16].

 

 

                        Luciano Amaro explica:

Sobre a lei criadora ou majoradora de tributo aplicar-se para o futuro não pode restar dúvida (CF, art. 150, III, a). O artigo 105, do Código Tributário Nacional, porém, diz mais do que isso; o Còdigo afirma a vigência para o futuro de toda e qualquer norma tributária, inclusive, portanto, a que, porventura, reduza  tributo)...[17].

 

 

Portanto, dessa sorte aplica-se a nova norma tributária que regulamenta as causas de interrupção apenas no próximo exercício fiscal e aos tributos cujos fatos geradores se dêem posteriormente à entrada em vigor da lei em 2006, porquanto, não se amolda aos permissivos constitucionais que excepcionalizam a anterioridade tributária e fazem incidir de imediato a aplicação da lei tributária.

 

Ives Gandra da Silva Martins, com a competência que lhe é peculiar, sepulta a questão:

Ora, pretender dar nova interpretação a dispositivo cujo sentido já foi traçado e decantado pela doutrina e jurisprudência significa inovar o ordenamento jurídico e não interpretá-lo, não sendo possível, portanto, a retroatividade de seus efeitos. Não se trata de norma interpretativa, mas sim inovadora, razão pela qual impossível a aplicação do art.106, inciso I, do CTN ao caso em comento. Por fim, cumpre ressaltar um aspecto importante em relação à menção do legislador à aplicação do art. 106, inciso I, ao art. 3º, da Lei Complementar 118/05. Ao afirmar explicitamente que aquele dispositivo aplica-se tão somente ao art. 3º, da Lei Complementar nº 118/05, o legislador afastou qualquer possibilidade de retroação dos demais artigos trazidos por tal norma. Para i,a melhor compreensão do tema, não se admitirá, por exemplo, que o prazo prescricional para a cobrança do crédito tributário seja interrompido pelo despacho do juiz que determinar a citação do devedor – ao invés da citação pessoal deste nos termos da antiga redação do art. 174, parágrafo único, inciso I – se o magistrado já assinou referido despacho, porque, caso contrário, estar-se-ia atribuindo ao dispositivo efeitos ex tunc que inexistem[18].

 

José Eduardo Soares de Melo:

A lei dispõe sobre preceitos gerais e abstratos pertinentes às regras de estrutura e qualificação, que ocorrem a partir de sua edição, respeitando o ato jurídico perfeito (consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou), o direito adquirido e a coisa julgada (decisão judicial de que não caiba recurso), de conformidade com o art. 6º e parágrafos da LICC, bem como os princípios da irretroatividade e anterioridade[19].

 

Assim, a LC 118/05, no que pertine a alteração do artigo 174, § único I, CTN este apenas passou a vigorar no ano de 2006, a uma, porque se incidisse imediatamente violaria o princípio da anterioridade erigido constitucionalmente, a duas, por atentar contra os artigos 105 e 106, CTN onde a legislação tributária se aplica aos fatos geradores que ocorreram em sua vigência estritamente, não podendo eles alcançar fatos já consumados, a três, porque a norma tributária eminentemente interpretativa, como é o caso da lei complementar 118/05, não pode inovar artificiosamente em detrimento da segurança jurídica em direito material,  portanto, aos auspícios do texto então vigente no CTN. 

 

2.5.) A ANTINOMIA NA PRESCRIÇÃO ENTRE O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A LEI DE EXECUÇÃO FISCAL:

 

                                                Hugo de Brito Machado define:

 

Dizer que a ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos significa dizer que a Fazenda Pública tem o prazo de cinco anos para cobrar judicialmente, para propor a execução do crédito tributá­rio. Tal prazo é contado da constituição definitiva do crédito, isto é, da data em que não mais admita a Fazenda Pública discutir a seu respeito, em procedimento administrativo. Se não efetua a cobrança no prazo de cinco anos, não poderá mais fazê-lo. Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se, neste ponto, da decadência, que atinge o próprio direito. O CTN, todavia, diz expressamente que a prescrição extingue o cré­dito tributário (art. 156, V). Assim, nos termos do Código, a prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas o pró­prio crédito, vale dizer, a relação material tributária[20].

 

                        A prescrição é a perda do direito do Fisco cobrar o crédito tributário, partindo da salutar orientação herdada da pragmaticidade latina, sob o influxo do conhecido adágio dormientibus non sucurrit jus, o qual, em tradução livre, implica a idéia de acordo com a qual o direito não socorre a quem dorme, orientação adequada para a consecução de escopos de segurança jurídica, em situação que deve ser cada vez mais valorizada no direito pátrio, em que a orientação de efetividade passou a ser entendida como de matiz constitucional, a partir do advento da Emenda Constitucional nº 45/04, a partir da qual se estabeleceu o direito à tempestividade da jurisdição como um fundamental right, na acepção preconizada por J. J. Canotilho, em seu conhecido Manual de Direito Constitucional português (como se observa pela atual redação da norma contida no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição Federal, com sua alusão a um tempo razoável de duração do processo).

 

E isso se traduz como um imperativo de relevância também no âmbito das relações fiscais, eis que tanto o Fisco, quanto os contribuintes, tem direito à obtenção de tal segurança nas suas relações recíprocas, ainda mais nesse contexto de globalização em que os empreendimentos pressupõe muito estudo e planejamento sob pena da certeza do insucesso, não podendo pairar pendências de custos (como se dá em relação à carga tributária) indefinidamente, o que, ademais, recomendaria, mesmo, de lege ferenda, a própria redução dos prazos prescricionais e decadenciais no direito pátrio, para facilitar a consecução desses escopos de segurança e visão estratégica, de parte a parte (obrigando-se, ademais, o Fisco a se aparelhar para cobranças mais ágeis, propiciando aumentos de arrecadação, sem aumentos da carga tributária, apenas e tão somente coibindo-se a sonegação sob a ótica do adágio de acordo com o qual “onde todos pagam, todos pagam menos” – o que não deixa de ser um prelado de garantia dos contribuintes num Estado Democrático de Direito).

 

De todo modo, com relação a tanto, a norma contida no artigo 174, CTN, com clareza lapidar e solar preleciona no sentido de que a ação para o Fisco cobrar os seus créditos tributários prescreve em 5 (cinco) anos contados da data de seu lançamento (e há que se tomar o cuidado de analisar a questão sob a perspecitva de que, aí, o intérprete deve estar atento para o fato de que isso se aplica a tributos – nas suas cinco modalidades, portanto, preconizadas como tal pela doutrina, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições previdenciárias e empréstimos compulsórios, eis que, fora desta seara, ou seja, em relação a créditos do Poder Público, mas que não tenham tal natureza tributária na acepção técnica, como se dá, por exemplo, com multas impostas pelo PROCON, o lapso prescricional pode ser maior, por análise, por exemplo, da orientação trazida pelo artigo 205 e seus consectários do Código Civil).

 

Repise-se no sentido de que a Lei Complementar é o meio legislativo apto a permitir qualquer modificação no Código Tributário Nacional, consoante preceito constitucionalmente firmado, portanto, as matérias excepcionadas naquele diploma legal apenas serão alteradas, acrescentando ou suprimindo-as, pelo meio eleito pelo constituinte, ou seja, a lei complementar (e, como alertado na parágrafo anterior, isso se aplica aos créditos tributários na acepção técnica e específica do termo).

 

No entanto, a Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80), lei portanto, de natureza ordinária, estabelece no seu artigo 8, § 2º que o despacho do juiz que ordenar a citação interrompe a prescrição.

 

Atento, pois a tudo quanto ponderado acima, e, sobretudo pelo princípio da hierarquia entre as normas, a hipótese ventilada no referido consectário normativo, está fulminada de patente inconstitucionalidade, vez que o diploma legal não está em perfeita simetria com o preceito constitucional que disciplina a matéria, porquanto, a previsão de matérias e a distribuição da via legislativa adequada para o trato da questão foi violado ao se contrapor tal preceito legal da Lei 6830/80 com o artigo 146, III, c, CR que prevê expressamente a cláusula de reserva de lei complementar a algumas matérias tributárias, dentre elas, a que cuida da prescrição dos referidos créditos tributários.

 

José Eduardo Soares de Melo: “Entretanto, cuida-se de lei ordinária, ou seja, instrumento jurídico incompetente para modificar os preceitos de lei complementar (CTN) que é norma legítima para dispor sobre prescrição (artigo 146, III, b, Constituição Federal)”[21].

 

O entendimento defendido encontra guarida na jurisprudência pátria:

" As hipóteses contidas nos artigos 2º, § 3º e 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80 não são passíveis de suspender ou interromper o prazo prescricional, estando a sua aplicação sujeita aos limites impostos pelo artigo 174 do Código Tributário Nacional, norma hierarquicamente superior. A LEF (Lei 6.830/80) determina a suspensão do prazo prescricional pela inscrição do débito na dívida ativa (art. 2º, § 3º). O CTN, diferentemente, indica como termo a quo da prescrição a data da constituição do crédito (art. 174), o qual só se interrompe pelos fatos listados no parágrafo único do mesmo artigo, no qual não se inclui a inscrição do crédito tributário". III - Agravo regimental improvido"[22].

TRIBUTÁRIO PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO.INTERRUPÇÃO DE PRAZO PRESCRICIONAL. CTN, ART. 174. CPC, ART. 219, § 4º. LEI Nº 6.830/80 (ART. 8º, § 2º).

1. A primeira Seção assinlou que, " Em sede de execução fiscal, a mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º do Código de Processo Civil e com o art. 174 e seu parágrafo único do Código Tributário Nacional2. Recurso improvido"[23].

TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS - CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES RECEPCIONADAS COM STATUS DE LEI COMPLEMENTAR - PRECEDENTES. DESPACHO CITATÓRIO. ART. 8º, § 2º, DA LEI Nº 6.830/80. ART. 219, § 5º, DO CPC. ART. 174, DO CTN. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR. PRECEDENTES.(...)

3. Após o decurso de determinado tempo, sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo segurança jurídica aos litigantes, uma vez que afronta os princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida.(...)

6. Permitir à Fazenda manter latente relação processual inócua, sem citação e com prescrição intercorrente evidente é conspirar contra os princípios gerais de direito, segundo os quais as obrigações nasceram para serem extintas e o processo deve representar um instrumento de realização da justiça.

7. A prescrição, tornando o crédito inexigível, faz exsurgir, por força de sua intercorrência no processo, a falta de interesse processual superveniente, matéria conhecível pelo Juiz, a qualquer tempo, à luz do § 3º do art. 267 do CPC.(...)"[24] (STJ, RESP 200300991635/RO, relator Ministro LUIZ FUX, DJ de 09/12/2003, p. 237).

EXECUÇÃO FISCAL - CITAÇÃO VÁLIDA - PRESCRIÇÃO - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO - CONFLITO ENTRE O CTN E A LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS – PREVALÊNCIA DAQUELE - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INÉRCIA DA PARTE EM DAR ANDAMENTO AO PROCESSO.

 

- É possível o conhecimento, de ofício, da prescrição de créditos tributários, pois, nesta seara, não vigora a disponibilidade dos interesses da Fazenda Pública ou dos contribuintes, uma vez que eles têm feição absolutamente diversa daqueles de natureza patrimonial. A prescrição torna o título inexigível e, via de conseqüência, leva à nulidade da execução, a teor do disposto no art. 618, inciso I do CPC. Em matéria de prescrição do crédito tributário, por força do disposto no art. 146, inc. III, "b" da CF/88, em caso de conflito entre as regras do CTN e da Lei de Execuções Fiscais, aquelas prevalecem sobre estas. A prescrição intercorrente se dá quando a parte não toma as providências cabíveis ao andamento do processo, deixando-o paralisado por lapso superior ao prazo prescricional[25].

                        Normas jurídicas que tracem elementos norteadores das causas que influenciam decisivamente no fluir do transcurso do lapso temporal para que o Fisco obtenha o que entender de direito por meio do lançamento tributário e posterior cobrança da dívida ativa, constituem sim, normas gerais para efeitos do postulado constitucional do artigo 146, III, c, CR.

Ricardo Cunha Chimenti explica: “O crédito, a prescrição e a decadência tributários, contudo, são matérias reguladas por lei complementar. A LEF é lei ordinária e, por isso, essa regra de interrupção da prescrição, em que pese a grande controvérsia sobre o tema, não se aplica à cobrança da dívida ativa tributária”[26].

Corroborando com este entendimento, leciona Manoel Álvares: “...assim como a interrupção do art. 8º, § 2º, todos da LEF, são ineficazes em relação às dívidas de natureza tributária, sujeitas às normas do art. 174 do CTN..."[27].

Leandro Paulsen e René Bergmann Ávila referem que

a disciplina da prescrição integra as normas gerais de direito tributário, sob reserva de lei complementar, nos termos do art. 146, III, "c", da CF, reserva esta já existente desde à EC nº 1/69 à CF/67. Dispondo, o art. 174, I, do CTN, no sentido de que a interrupção da prescrição dá-se pela citação pessoal feita ao devedor, resta inaplicável à execução da dívida ativa de natureza tributária o art. 8º, § 2º, da LEF, o que tem sido reconhecido pela jurisprudência do STJ, que firmou a prevalência do CTN sobre a LEF[28].

O artigo 105, CTN aponta a regra da interpretação da novel lei tributária apenas aos fatos futuros e a regulamentação da prescrição trata de crédito tributário devidamente ocorrido e lançado, de sorte que, a Lei 118/05 passará apenas a regulamentar os fatos vindouros e posteriores a sua entrada em vigor, não podendo retroagir em desfavor do contribuinte para aplacar créditos já lançados e em processo de cobrança da dívida[29].

 

O motivo preponderante para que o Código Tributário Nacional tenha adotado essa postura reside em evitar que sejam realizadas execuções e a conseqüente expropriação dos bens dos devedores sem que estes efetivamente tomassem conhecimento da ação executiva que pesa em seu desfavor.

 

Assim, o mero ato do julgador em determinar a citação não conduz a certeza de que o executado foi cientificado da pendência fiscal para possibilitar a ampla defesa e o contraditório já sensivelmente afetado quando do processo administrativo fiscal de lançamento.

 

2.6.) A ATUAÇÃO DE OFÍCIO DO MAGISTRADO DECRETANDO A PRESCRIÇÃO DA COBRANÇA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO:

 

                        O Juiz é o responsável por assegurar igualdade de forças as partes, no caso Fazenda e contribuinte, tanto que ele tem que atuar com isenção perquirindo sempre atingir a pacificação do conflito, a realização do direito e a preservação do ordenamento jurídico.

 

Tanto que, em nome da preservação da imparcialidade do Juiz, princípios processuais técnicos passaram a ser estabelecidos, dispondo, por exemplo, no sentido de que os Magistrados em geral devam se abster de propor demandas, atuando ex officio no acionamento da máquina jurisdicional estatal, como se dá em relação ao conhecido princípio da inércia da jurisdição (cristalizado por adágios latinos glosados na Idade Média por trabalhos de Bártolo e Baldo, como, por exemplo, ne procedat ex officio, ou, nemo judex sine actore).

 

No entanto, tais preceitos não são de índole absoluta (por exemplo, o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 989 estabelece exceções em nome do interesse público, como se dá, por exemplo na situação do inventário de ofício), sendo certo que, como apontado linhas atrás, com a constitucionalização da efetividade da jurisdição, pelo advento do chamado tempo razoável de duração do processo, a atuação do Magistrado, no processo em geral, passa a ser dotada de maior constitucionalização de seu papel, rompendo-se com a visão liberal burguesa da jurisdição atrelada ao cumprimento protocolar de normas burocráticas, visando-se alcançar visões mais sincréticas.[30]

 

                        Desta feita, sem comprometer-se a imparcialidade (que não deixaria de ser uma faceta da moralidade administrativa, sob a ótica dos princípios íncitos à atividade do Poder Público, nos termos preconizados pelo artigo 37, caput, da Constituição Federal), tem-se observado que se tem conferido aos Magistrados em geral, mecanismos cada vez mais intensos a propiciar o alcance da almejada efetividade, por atos ex officio (veja-se, a título exemplificativo, o disposto em artigos como o 285-A, 515, par. 3º, 301, par. 4º, dentre inúmeros outros, que permeiam o diploma processual civil).

 

Assim, sob tal perspectiva, não se poderia deixar de apontar no sentido de que andou bem o legislador pátrio, no que se refere ao aspecto das reformas processuais ao modificarem o artigo 219, § 5º, CPC para permitir a decretação da prescrição em qualquer hipótese de interesse, sendo certo que os reflexos dessa desídia devem ser apurados casuisticamente aos auspícios do ônus da sucumbência, eventual litigância de má-fé e responsabilidade perante o ente tributante.

 

E isso não era nenhuma novidade, na medida em que, como sabido, a ação de execução tem condições específicas, como por exemplo, a certeza, a liquidez e a exigibilidade da obrigação contida no título executivo, de sorte tal que, mesmo antes da alteração, não se deixaria de analisar tal questão ex officio na medida em que a exigibilidade pressuporia, do ponto de vista lógico, a falta de prescrição (se a obrigação estiver prescrita, o título não poderia representar obrigação exigível, restando ausente condição da ação, por falta de interesse de agir, na medida em que o acionamento da jurisdição, in casu, seria manifestamente inútil), assim, tal exame sempre restaria possível sob a ótica da orientação trazida no artigo 301, par. 4º do Código de Processo Civil, que já autorizava o exame ex officio de tal questão de ordem pública (falta das condições da ação), o que, no entanto, passou a ser reafirmado, coibindo-se discussões bizantinas a esse respeito, com a alteração explícita da orientação contida no artigo 219 e seus consectários do Código de Processo Civil.

 

                        O Tribunal de Justiça de Minas Gerais já admitia, inclusive, a atuação do julgador ex officio no reconhecimento da prescrição do crédito tributário:

 

EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO

 

- Com o advento da Lei 11.280/06, a decretação de ofício torna-se norma processual geral, posto que o Art. 11 da referida lei, revogando disposição contida no Código Civil, art. 194, que até então vedava ao juiz a possibilidade de suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorável a absolutamente incapaz, também alterou, por seu art. 3º, a redação do § 5º, Art. 219, do CPC, dispondo explicitamente que "o Juiz pronunciará de ofício a prescrição".

- Paralisado o processo de execução por mais de 5 (cinco) anos, consolida-se a prescrição que, erigida, em qualquer contexto, à matéria de ordem pública, pode ser reconhecida pelo Juiz 'ex officio'.

- Recurso desprovido[31].

 

EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - ART. 174 DO CTN -CONFIGURAÇÃO - APLICAÇÃO DA LEI 11.051/04, QUE EM SEU ART. 6º, AUTORIZA O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DE OFÍCIO.

 

- Configura-se a prescrição intercorrente, se após vários anos de propositura da ação, não há a citação do executado, por inércia da Fazenda. A norma inserta no art. 40 da Lei 6.830/80 não tem o condão de tornar imprescritível a dívida fiscal[32].

 

EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - CONFIGURAÇÃO – INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA - EXTINÇÃO DO FEITO - ARTIGO 269, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - DECRETAÇÃO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO – LEI Nº 11.051/04 – POSSIBILIDADE.

 

- Configura-se a prescrição intercorrente quando o processo de execução fica paralisado por mais de cinco anos diante da inércia da Fazenda Pública Municipal, deixando a exeqüente de tomar as providências cabíveis, ensejando a extinção do feito, de acordo com o artigo 269, inciso IV, do CPC, podendo a prescrição ser decretada de ofício, de acordo com o §4º do artigo 40 da LEF, introduzido pela Lei nº 11.051/04[33].

 

 

III.) A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE COMO MEIO DE ARGÜIÇÃO DA PRESCRIÇÃO NAS EXECUÇÕES FISCAIS:

 

A Exceção de Pré-Executividade é meio de defesa utilizado pelo devedor quando da argüição de matérias cognoscíveis de imediato pelo juiz em função destas serem daquelas indeclináveis ao juízo por conterem no cerne uma carga de imprescindibilidade ao exercício da atividade jurisdicional como pacificador dos conflitos sociais, o qual supera há tempos à interpretação estritamente gramatical das leis processuais como método de possibilitar o desenvolvimento das possibilidades de defesa dentro da relação jurídico-processual, no caso, sem o gravame da penhora por conter a argüição de nulidades e pontos nodais a marcha processual.

 

Assim a situação de exceção de pré-executividade, poderia ser tida como um incidente (portanto questão prévia interlocutória) dos processos de execução de um modo geral (o que obviamente se estende aos processos de execução fiscal, eis que não se observa qualquer privilégio que o Fisco possa vir a ter em relação a tanto, faltando fator adequado de discrimen, para que possa vir a ser beneficiado com alguma exclusão nesse sentido) que, embora não tenha sido expressamente previsto pela legislação processual vigente, tem sido largamente aceito, tanto pela doutrina, como pela jurisprudência majoritária dos Tribunais pátrios (o que ocorre, como também sabido, desde o advento da decisão do caso da Siderúrgica Mannesmann Ltda., em meados de 1.966, fundada em parecer do saudoso Pontes de Miranda).

 

E tal ocorre porque se trata de incidente aplicável, de forma excepcional, àqueles casos em que, efetivamente, se constata a existência de falta de pressupostos processuais e/ou condições da ação de execução, de modo que, em nome da celeridade e da economia processuais (princípios que devem ser extremamente valorizados nos tempos correntes, onde são inúmeras as dificuldades de serviço de todos os setores do Poder Judiciário, conforme fartamente alardeado pelos “mass media”), se admite a resolução prévia, desde logo, sem maiores formalidades do processo fadado à extinção sem julgamento de seu mérito (e a doutrina tem se dividido a respeito da existência, ou não, de um mérito propriamente dito no processo de execução), sem prejuízo de tudo quanto ponderado linhas atrás, no que se refere à própria constitucionalização da efetividade da jurisdição pela questão da inserção do conceito de tempo razoável de duração do processo (portanto, mesmo que houvesse uma tentativa legislativa, por norma infraconstitucional que viesse a tentar impedir oposição de exceções de pré-executividade em processos de natureza fiscal,  a inconstitucionalidade da orientação seria patente já que, como visto, diante da tempestividade de jurisdição, não havendo qualquer fator razoável de discrimen em relação ao Fisco, para tanto, devem prevalecer expedientes que possibilitem o exame rápido de situações de falta de pressupostos processuais e condições da ação, de um modo geral).

 

Mas, no entanto, a questão deve ser analisada com certa parcimônia e de forma sempre excepcional, evitando-se a burla do ordenamento jurídico, sobretudo no que tange ao disposto no artigo 737 do Código de Processo Civil, que exige a garantia da execução como pressuposto da apresentação da defesa de mérito (normalmente oferecida mediante embargos do devedor, já que a execução fiscal se faz mediante títulos executivos de natureza extrajudicial, disciplinada, portanto, no que for pertinente, pelas alterações inseridas pela Lei nº 11.382/06 e não, como regra, pela Lei nº 11.232/05).

Isso porque, como visto, o incidente de exceção em questão (e exceção, como igualmente visto linhas atrás, em sede processual, tem um significado mais extenso no sentido de ser entendido como exercício do direito de defesa antagônico ao exercício do direito de ação pela parte autora, a revelar o autêntico exercício dialético do contradicere, ou, melhor dizendo, do contraditório) deve ser utilizado sob a ótica da efetividade e da tempestividade, ou seja, deve ser manejado quando possibilitar ao Julgador um mecanismo ágil de suprimir uma demanda manifestamente inviável, e não como meio de propiciar ao devedor contumaz a eternização da lide executiva, o que deve ser sopesado pelo Magistrado, caso a caso, evitando-se burlas ao escopo da jurisdição.

 

Por isso que se tem recomendado que somente sejam aceitas, sob a égide de verdadeiras exceções de pré-executividade, incidentes que pressuponham o exclusivo exame de questões de direito (o que afastaria de sua incidência matérias de alta indagação e que demandem a produção de provas que não sejam meramente documentais, não havendo que se falar, portanto, em audiência de instrução e julgamento), somente se exigindo que os juízes determinem a manifestação do credor, nesses incidentes quando perceber que poderá vir a acolher as alegações (sem o que o contraditório seria macerado gerando situação de nulidade processual), caso contrário, o incidente deve ser afastado, de plano, sem tal formalidade, também em respeito à celeridade e à tempestividade de jurisdição.

 

Assim, como visto acima, a alegação concernente à ocorrência de prescrição e de decadência de crédito tributário, por envolver o exame da exigibilidade da obrigação contida no título tem o condão de ser apreciada em sede de exceção de pré-executividade posto que, se reconhecida, ter-se-ia a falta de executividade do título, o que seria a falta de uma das condições especiais do processo de execução, nos termos das normas contidas nos artigos 583 e 586, ambos do Código de Processo Civil (exige-se, portanto, a existência de um título executivo, e que o mesmo contenha em seu bojo, obrigação que possa ser tida como líquida, certa e exigível).

 

E isso se destaca, inclusive, em atendimento aos princípios da celeridade e economia processuais, como também em nome do princípio da instrumentalidade das formas (a ninguém interessaria o indeferimento do incidente de exceção, postergando-se a análise das questões suscitadas para uma ação autônoma e posterior, inclusive com incidência de verbas sucumbências, quando se pode, perfeitamente, apreciar tais questões, neste momento procedimental, de forma mais rápida e econômica, em melhor cumprimento aos prelados aduzidos acima referentes à tempestividade e efetividade da jurisdição).

 

Ao contrário, o Poder Judiciário, conforme fartamente alardeado pelos meios de comunicação de massa (os conhecidos mass media) se encontra totalmente azafamado e assoberbado por um número cada vez mais avassalador de demandas, de modo que se deva, até para garantir a efetividade do relevante serviço prestado, conferir a maior amplitude possível aos princípios instrumentais, que, sem suprimir liberdades públicas materiais, possibilitem a eliminação efetiva e definitiva de lides, em benefício de toda uma massa de usuários do sistema.

                        Clito Fornaciari Junior pontifica, cristalinamente, que a exceção de pré-executividade consiste na:

alegação de vícios que comprometem a execução e que deveriam ter sido constatados pelo juiz no nascedouro do processo, prescindindo de forma própria, de prazo e da segurança prévia do juízo com a realização da penhora. Bastaria, pois, uma simples petição antes da penhora ou depois desta, até quando se perdeu o prazo para os embargos do devedor[34].

Ricardo Ludwig Mariasaldi Pantin, com peculiar didática, aduz que: “Exceção de pré-executividade ou objeção de pré-executividade, como prefere chamar parte da doutrina, é a medida oposta pelo devedor, no processo de execução, com vistas a argüir vício ou nulidade do título sobre o qual se funda a execução”[35].

Leonardo Augusto Santos Melo:

Fixada a premissa de que a garantia do juízo só é exigível quando a execução mostra-se viável, a exceção de pré-executividade surge como a manifestação do devedor durante o juízo de admissibilidade da execução, pois não há, tal e qual no processo de conhecimento, a possibilidade de uma defesa ampla como a contestação. Partindo-se do princípio de que o contraditório, ainda que de forma restrita, está presente no processo executivo, confere-se ao executado o direito de argüir, antes da penhora, eventuais nulidades de que se reveste a execução contra ele movida[36].

 

                        A Objeção é deveras eficaz para que sejam levantadas questões que afetam de imediato o pleito das partes, donde, funciona também como um instrumento de provocação do saneamento do processo, tudo com vistas ao pleno alcance da ordem jurídica justamente para que as sentenças detenham maior segurança jurídica e adequação aos fins sociais a ela propostos.

 

                        As matérias ventiladas na exceção de pré-executividade trazem relevância para além dos interesses das partes, enfim, de natureza eminentemente pública e não meramente particular, como condições da ação, análise de pressupostos processuais, prescrição, decadência, dentre outros:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE - PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA.

 

- É admissível a exceção de pré-executividade quando versar sobre matéria que deva ser conhecida pelo Juiz ex officio, e que recaia sobre as condições da ação ou de algum pressuposto processual. Há a PRESCRIÇÃO do crédito tributário quando não ocorra - dentro do prazo qüinqüenal - uma das causas de interrupção da PRESCRIÇÃO, de que trata o inc. I, parágrafo único, do art. 174 do Código Tributário Nacional.Recurso conhecido e provido[37].

 

IV.) CONCLUSÕES:

 

                         A lei complementar 118/05 representa um significante passo para a economia ao facilitar a circulação de bens que ficariam totalmente inviáveis de serem vendidos para que se liquidasse o débito tributário e, tal se dá, porque o bem traria consigo o fardo dos tributos inadimplidos.

 

                        A supressão da responsabilidade tributária que, naturalmente defluiria pelo texto legal anterior, é aplicável de imediato, pois visou facilitar o recebimento de tributos pela fazenda e possibilitou uma melhor circulação das riquezas na economia. 

 

                        Contudo, os dispositivos dessa lei que flexibilizam garantias fundamentais do contribuinte, tais quais aquelas que tentaram subtrair do universo jurídico a teoria dos “cinco mais cinco”, além de maximizar os lapsos prescricionais pela supressão da redação originária do artigo 174, § único, I, CTN não são aplicáveis, no último caso, imediatamente, sob pena de violação do princípio da anterioridade tributária, o que representa garantia da sociedade de que haverá segurança jurídica nas relações fisco-contribuinte e sua aplicação as relações jurídicas anteriores a sua entrada em vigor é um atentado aos direitos dos contribuintes.

 

V.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2003.

 

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NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª Ed. Saraiva: São Paulo. 1995.

 

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PAULSEN, Leandro; ÀVILA, Renée Bergmann. Direito Processual Tributário - Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre, Ed. Livraria do Advogado. 2003.

 

 


[1] GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel, CINTRA, Antônio Carlos Araújo. Teoria Geral do Processo, São Paulo: Malheiros, 2.004, p. 74.

[2] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 13ªEd. Atlas: São Paulo. 2003. p.549.

[3] REALE, Miguel. Parlamentarismo Brasileiro. Saraiva: São Paulo: 1962. p.110.

[4] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Ed, Calouste Kubenkian: Lisboa, 1.988, p. 56

[5] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24ª Ed. Malheiros: São Paulo. 2004. p.86.

[6] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª Ed. Saraiva: São Paulo. 2003. p.167.

[7] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg nos EResp nº 639.083/PR, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª Seção, Data do Julgamento: 20.06.2005.

[8] CARDOZO, Paulo Sigaud; RANGEL, Maria Luiza Rennó. A Lei Complementar nº 118/2005 e a Prescrição do Direto à Repetição do Indébito. APET: São Paulo. Data do acesso: 18/08/2007 Disponível na internet em: Fonte: http://www.apet.org.br/artigos/ver.asp?art_id=104. 2005.

[9] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 6ª Ed. Dialética: São Paulo. 2005. p.193.

[10] NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª Ed. Saraiva: São Paulo. 1995. p.84/85.

[11] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível nº 1.0024.04.473651-0/001 – Comarca de Belo Horizonte. Relator: Des. Dídimo Inocêncio de Paula. Data da publicação: 19/07/2007.

[12] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n° 1.0024.99.000975-5/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Alberto Vilas Boas - j. em 27.03.2007.

[13] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS Apelação Cível n° 1.0079.02.030913-8/001 - Comarca de Contagem - Relator: Des. Nilson Reis - j. em 27.03.2007.

 

[14] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Agravo de Instrumento. nº 635.095 - PE (2004/0144293-7). Relator: Ministro Humberto Martins. Data da Publicação: 15/09/2006.

[15] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 13ª Ed. Malheiros. 1999. p. 244/245.

[16] MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. 6ª Ed. Dialética: São Paulo. 2005. p.192.

[17] AMARO, Luciano. Op. cit. p.194.

[18] MARTINS, Ives Gandra da Silva; MARTINS, Rogério Gandra da Silva; LOCATELLI, Soraya David Monteiro; FONSECA, Luciana Cavalcante Quartim. Comentários à Lei Complementar nº 118/05 in Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. Organizador: Rubens Approbato Machado. 1ªEd. Quartier Latin: São Paulo. 2005. p.339/340.

[19] MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit. p.190/191.

[20] MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit. p. 211.

[21] MELO, José Eduardo Soares de. Op. cit. p.328.

[22] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp nº 178.500/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 18.03.2002, pág. 00194.

[23] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Eresp. 36.855-1/SP - Rel. p/ acórdão Min. César Asfor Rocha.

[24] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RESP 200300991635/RO, relator Min. Luiz Fux, DJ de 09/12/2003, p. 237.

[25] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n° 1.0024.98.152572-8/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Audebert Delage - j. em 01.03.2007.

[26] CHIMENTI, Ricardo Cunha; ÁLVARES, Manoel; FERNANDES, Odmir; BOTTESINI, Maury Ângelo; ABRÃO, Carlos Henrique. Lei de Execução Fiscal Comentada e Anotada. 1ª Ed. RT: São Paulo. 1997. p.84.

[27] COSTA, Regina Helena; ALVES, Eliana Calmon; FARIA, Luiz Alberto Gurgel de; SOUZA, Maria Helena Rau de; FERNANDES, Odmir; ÁLVARES, Manoel; CORRÊA, Sérgio Feltrin; FREITAS, Vladimir Passos de; SAKAKIHARA, Zuudi. Código Tributário Nacional Comentado. 3ª Ed. RT: São Paulo. 2005. p. 669.

[28]PAULSEN, Leandro; ÀVILA, Renée Bergmann. Direito Processual Tributário - Processo Administrativo Fiscal e Execução Fiscal à luz da Doutrina e da Jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 236

[29] Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Execução Fiscal nº 1999.71.08.004945-0/RS Juiz Federal Substituto Daniel Marchionatti Barbosa. Execução Fiscal nº 98.20.03380-2/SC Juiz Federal Substituto Edilberto Barbosa Clementino.

 

 

 

[30] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHARD, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento, São Paulo, Atlas: 2007.

[31] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n° 1.0024.98.084166-2/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relator: Des. Eduardo Andrade - j. em 17.04.2007.

[32] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n° 1.0079.02.031972-3/001 - Comarca de Contagem - Relator: Des. Geraldo Augusto - j. em 27.03.2007.

[33] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Apelação Cível n° 1.0024.95.105030-1/001 - Comarca de Belo Horizonte - Relatora: Desª. Teresa Cristina Da Cunha Peixoto - j. em 25.01.2007.

 

 

[34] FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Exceção de pré-executividade, Jornal Síntese. n° 38. São Paulo. Abr/2000. p. 3.

[35] PANTIN, Ricardo Ludwig Mariasaldi. Exceção de pré-executividade: uma abordagem em face da Lei n° 6.830/80. Online. Capturado em 18.08.2007. Teresina. Disponível na Internet: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3892. 2003.

[36] MELO, Leonardo Augusto Santos. A Exceção de Pré-executividade na Execução Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário n° 78. Dialética: São Paulo. 2001. p. 60.

[37] TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS. Agravo n° 1.0625.00.011029-0/001 - Comarca de São João Del-Rei - Relatora: Desª. Albergaria Costa - j. em 23.11.2006.