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> Meisson G. Eckardt
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> As recentes notícias de que o Judiciário tem efetivado a extinção de recuperações judiciais consideradas abusivas ou mesmo de que tem havido convolações em falências, deixa claro que a balança está se movendo para um controle muito mais rigoroso. E é fácil compreender a motivação, pois há, sim, empresas se valendo do instituto de forma oportunista, sem preencher requisitos mínimos, apenas para blindar patrimônio e ganhar tempo com o stay period. Isso mancha a credibilidade da recuperação judicial e prejudica quem atua de boa-fé.
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> Mas, como sempre, quando a régua sobe, existe o risco de atingir também quem não merece: empresas viáveis, em crise real, mas que, por falhas pontuais ou má assessoria inicial, acabam sendo colocadas no mesmo saco dos maus exemplos.
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> A Lei n 11.101/2005 já dá ferramentas para separar o joio do trigo. O problema é que, na prática, a pressa em “dar exemplo” pode levar à aplicação dessas medidas sem a devida análise da viabilidade econômica e da intenção real da empresa recuperanda. Extinguir sumariamente um processo por vício sanável ou formalidade corrigível ou, ainda, apenas por indícios de irregularidade, sem provas robustas, não serve à função social da empresa, não preserva empregos e, no fim, não ajuda os credores.
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> Aliás, não se pode perder de vista que a efetiva análise sobre a viabilidade econômica (ou não) do plano apresentado pela empresa recuperanda não pode ser ditada pelo Judiciário, mas, sim, pela assembleia-geral de credores, que detém soberania sobre essa decisão (v.g. STJ. AgInt-REsp 2107336-SP, 2024. Relator, ministro Marco Aurélio Bellizze).
> Há uma diferença abissal entre fraude deliberada e desorganização administrativa, e o papel dos juízes deveria ser justamente identificar essa diferença e calibrar a resposta. O cuidado redobrado, por parte do Judiciário, na aplicação das sanções cabíveis é elementar para não desestimular empresas viáveis de buscar o instituto justamente quando ele é mais necessário. Se o ambiente ficar punitivo demais, a tendência é que empresas busquem soluções menos transparentes e mais prejudiciais para todos os envolvidos.
> Um fato é inegável: não existe mais espaço para improvisos. O pedido de recuperação judicial precisa ser impecável, com toda a documentação prevista na lei, contabilidade alinhada e coerente, e estratégia bem definida para cumprir obrigações pós-deferimento (com apoio de equipes técnicas especializadas). Transparência com credores e com a administração judicial não é mais “boa prática”; é questão de sobrevivência processual. E se houver qualquer irregularidade, é preciso ter planos preventivos ou de contingência para saná-la rapidamente, antes que vire justificativa para extinção ou falência.
> O endurecimento, sozinho, sem mecanismos proporcionais, pode simplesmente trocar um problema por outro, mas vejo muito espaço para aprimorar o controle judicial sem sacrificar a essência da recuperação judicial. Uma fiscalização inicial mais aprofundada, auditorias independentes, watchdogs escolhidos pelos credores (em casos específicos) e relatórios periódicos mais detalhados, com apoio de equipes especializadas, podem filtrar abusos e dar segurança ao processo. Isso protege o mercado de crédito, mantém a confiança no instituto da recuperação judicial e, ao mesmo tempo, preserva a oportunidade de recuperação para quem realmente precisa e está disposto a enfrentar a crise com seriedade e boa-fé.
> Governança e planejamento são os pilares que separam a narrativa da execução. Comitês internos com jurídico, finanças e operações, trilhas de auditoria e relatórios objetivos com indicadores de margem, caixa e alavancagem reduzem ruídos e elevam credibilidade. Alinhar expectativas e incentivos torna o plano um verdadeiro contrato de performance. Prazos e abatimentos atrelados a metas verificáveis preservam justiça distributiva e aumentam confiança. Proteções a fornecedores essenciais e trabalhadores, quando sustentadas por métricas operacionais, mantêm a atividade que gera caixa.
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> A execução vale tanto quanto o desenho. O plano precisa se traduzir em calendário de entregas, controles de caixa diários, política de compras revisada, dados claros de produtividade e governança para decisões extraordinárias. Quando cada compromisso tem responsável, prazo e indicador, reduzem-se disputas e cresce a disposição dos credores em conceder condições condicionadas a resultados.
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> Esse nível de detalhamento transforma o plano em um guia de execução verificável, permitindo que credores, administração judicial e até o próprio juízo acompanhem o cumprimento em tempo real. A previsibilidade reduz ruídos, fortalece a confiança entre as partes e evita que discussões jurídicas desnecessárias atrasem a recuperação. Mais que um documento jurídico, o plano passa a ser um instrumento de gestão compartilhada da crise, onde informações objetivas substituem narrativas subjetivas e criam uma base sólida para decisões de renegociação ou de ajuste de rota.
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> O sistema de recuperações precisa encontrar o ponto de equilíbrio entre firmeza e proporcionalidade. A recuperação judicial existe para preservar valor econômico e social, salvar empresas viáveis, proteger empregos e organizar pagamentos de forma mais eficiente que a falência. É possível coibir abusos sem sufocar reestruturações. Quando o controle é firme e justo, a recuperação judicial cumpre seu propósito: reconectar empresas à sua capacidade de gerar empregos e riquezas e devolver previsibilidade ao mercado de crédito.
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> Meisson G. Eckardt é advogado especialista em recuperação judicial na Safegold, pós-graduado pela PUC/PR e com 15 anos de atuação nas áreas de insolvência empresarial, turnaround e special situations.
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