A Medida Provisória 1.085 e a equiparação do empreendedor ao incorporador: um basta à insegurança jurídica?

Cecília Natucci e Marcelo Diniz*

 

 

O mercado imobiliário historicamente tem seu desempenho atrelado à conjuntura econômica do país – tanto por consistir em atividade que demanda investimentos significativos, como por ter sua performance diretamente vinculada à taxa de juros, viabilidade de acesso a crédito e outorga de incentivos governamentais.

Apesar de as notícias relacionadas ao mercado imobiliário sazonalmente se alternarem entre seu aquecimento e seu declínio, a aquisição de imóveis sempre foi vista como uma modalidade de investimento vantajosa, especialmente pelo seu potencial de valorização (como visto durante a pandemia para os imóveis residenciais) e pela segurança devido à permanência do ativo adquirido.

Conforme o setor foi se desenvolvendo, os instrumentos e normas jurídicas a ele aplicáveis também foram se aprimorando para fazer frente a operações cada mais vez mais complexas. Esse aperfeiçoamento foi particularmente significativo em relação ao tratamento dispensado ao parcelamento de solo: do entendimento de que a existência de áreas públicas no loteamento garantiria amplo e livre acesso a qualquer pessoa, com a edição da Lei 13.465/17 passou-se a admitir não somente o controle do acesso nos loteamentos (com o surgimento do Loteamento de Acesso Controlado) como a própria criação do Condomínio de Lotes – pacificando a histórica discussão que contrapunha o direito à liberdade de acessar áreas públicas (existentes dentro dos loteamentos) com o direito à propriedade (que permitiria a restrição de acesso de terceiros não autorizados às áreas privadas).

A previsão específica do Condomínio de Lotes foi particularmente importante devido aos diferentes posicionamentos que ora equiparavam o Condomínio de Lotes ao Loteamento (o que implicaria diferentes obrigações ao Empreendedor), ora entendiam que o Condomínio de Lotes consistiria em instrumento jurídico autônomo, cujo regramento seria similar ao aplicável às Incorporações Imobiliárias.

Essa ausência de uniformidade pôde ser sentida com a Solução de Consulta Cosit nº 196/2015. Nessa decisão, a Receita Federal do Brasil entendeu que o regime das incorporações, previsto na Lei nº 4.591/1964, seria exclusivo para empreendimento em que exista a “construção de edificação ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas e o incorporador como sendo aquele que compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno, objetivando sua vinculação àquelas unidades autônomas nas edificações a serem construídas ou em construção sob regime de condomínio”.

Portanto, segundo o entendimento fazendário, a Incorporação Imobiliária seria uma atividade que visa à construção de edificações compostas de unidades autônomas, ao passo que, no Condomínio de Lotes, não haveria uma unidade autônoma a ser alienada, senão uma mera divisão de terra em unidades independentes – atividade típica de parcelamento de solo.

Nesse sentido, não haveria a exigência da constituição do Patrimônio de Afetação, mas, como contrapartida, não haveria a possibilidade de o empreendedor optar pelo Regime Especial de Tributação (RET), previsto pela Lei 10.931/2004 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB 1.435/2014, que seria exclusivo para as incorporações propriamente ditas.

Ocorre que a realidade econômica invariavelmente encontra caminhos para adaptar-se à legislação positivada. Assim, seja para viabilizar a adoção do RET, seja para evitar as exigências mais rigorosas dos loteamentos em sentido estrito, muitos empreendimentos adotavam a solução de se constituir como Condomínio Horizontal de Unidades Projetadas, sob o regime de incorporação. Como se tratava de edificações autônomas apenas projetadas, mas não construídas, bastava que o adquirente da unidade encaminhasse pedido de alteração do projeto inicial da sua unidade específica, acabando por caracterizar, na prática, um condomínio de lotes.

Para regular esse fenômeno, passou-se a admitir de forma expressa o Condomínio de Lotes com a aplicação do regime jurídico dos Condomínios Edilícios, por meio da Lei 13.465/2017. Com isso, o cenário começou a se desenhar de forma mais favorável ao contribuinte, com parte substancial da doutrina defendendo a possibilidade de adesão ao RET-Incorporação no caso de Condomínio de Lotes desde logo, já que se tratava de Condomínio Edilício, inobstante o posicionamento da Receita Federal não ter sido expressamente revisto. Com amparo nesses entendimentos e em opiniões legais específicas, os Empreendedores passaram a defender esse posicionamento perante o Fisco e a pleitear a benesse tributária a que legalmente fariam jus, tendo recorrentemente sido obtidos resultados favoráveis.

Dada ainda a possível dúvida acerca do tratamento tributário desses empreendimentos, em 27 de dezembro de 2021 houve mais um salutar avanço nesse sentido com a edição da Medida Provisória (MP) nº 1.085. Essa norma, entre outros temas, consolidou significativas modificações ao regime jurídico aplicável ao Condomínio de Lotes, determinando de forma expressa a aplicação do regime jurídico das Incorporações Imobiliárias a ele, de forma a equiparar o empreendedor ao incorporador.

Ainda que, à primeira vista, o âmbito dessa equiparação seja restrito a aspectos civis e registrários, as modificações implementadas na Lei 4.591/64 – que, ao prever as obrigações e direitos do incorporador, passou a dispor que frações ideais de terrenos e acessões configuram “unidades autônomas” [1]– corroboram a interpretação pela aplicação do regime jurídico das Incorporações Imobiliárias ao Condomínio de Lotes, incluindo todas as obrigações e direitos a ele vinculadas. O benefício primário dessa equiparação, sem dúvidas, é a viabilização da adesão ao RET-Incorporação por tais empreendimentos.

Essa foi uma conquista significativa para a redução do famigerado “Custo Brasil”, dada a redução expressiva da carga tributária (equivalente a uma alíquota nominal unificada de 4% para impostos e contribuições federais após a adesão ao RET-Incorporação), contribuindo para o aprimoramento do ambiente de negócios do país.

 

*Cecília Natucci e Marcelo Diniz são advogados da Andersen Ballão Advocacia.

 

 


[1] Art. 32. O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos: (...)

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