SE FOR APROVADO NO VESTIBULAR SEM TER OBTIDO CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO CONSIGUIREI CURSAR A FACULDADE?

Conteúdo do Artigo: 

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA*

CAROLINA AMÂNCIO TOGNI BALLERINI SILVA**

 

 Certos países do mundo, notadamente os que ostentam IDH mais elevado, acabam prestigiando que pessoas superdotadas acabem por obter estímulos e não barreiras por seu empenho e habilidades, estimulando-se o seu sucesso, ao contrário de sistemas educacionais que nivelam por baixo. A imposição do ensino fundamental e médio por lei e pela Constituição, até mesmo pela ideia de unicidade constitucional deve ser garantido para quem dele precise e não ser imposto para quem demonstre por seu desempenho acadêmico que não necessita de tais cursos para ter acesso ao ensino superior ou profissionalizante.

 

Imagino o que seriam de Mozart ou Einstein se tivessem estudado no Brasil. Nossa legislação – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação parece andar na contramão da esteira do estímulo do sucesso acadêmico, obrigando que alunos bem sucedidos passem por inúmeros obstáculos mesmo que consigam lograr êxito com a aprovação em certames vestibulares, sem a conclusão do ensino médio.

 

No entanto, como forma de colaborar para a facilitação do sucesso dessas pessoas, como professor que sou há cerca de três décadas e inconformado com esse estado de coisas, apresento uma série de argumentos e precedentes judiciais que possam ser úteis na defesa dos interesses de pessoas nesta situação.

 

Cumpre salientar que a Constituição da República determina que o acesso à educação deve ser disponibilizado de forma universal e igualitária, com observância das capacidades individuais de cada um, sem restrições etárias abstratamente impostas.

 

De igual modo, a educação infantil se apresenta como prerrogativa constitucional indisponível, sendo direito amparado também por normas infraconstitucionais, especialmente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo ser assegurado às crianças acesso aos meios que lhes propiciem integral desenvolvimento, preparo para o exercício da cidadania e qualificação profissional.

 

O ensino fundamental é obrigatório e representa a segunda fase da educação básica, tendo por finalidade a formação do cidadão, assegurado nos artigos 208,I e § 1º da Constituição Federal de 1988 e pelas leis Federais nº 8.069/90, artigos 53, inciso V e 54, inciso I e nº 9.394/96 em seu artigo 32, "in verbis":

 

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; [...] § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

 

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes: (...) V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

 

Art. 54 - É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

 

Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão.

 

Observe-se que o texto constitucional estabelece que tal direito seria publico e subjetivo, logo não seria um dever para o seu beneficiário – cuida-se de posição jurídica ativa e não passiva (como apontaria Giuseppe Lumia, em seu conhecimento Elementos de Direito e Ideologia – Ed. Martins Fontes).

 

De igual modo, tanto o ECA quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aduzidos linhas acima, parecem colocar como obrigatórios os 9 anos do ensino fundamental, o que não se aplicaria ao ensino médio, e, ademais, se o ensino médio não se encontra inserido no artigo 208 CF sua exigência como meio de acesso ao ensino superior pareceria implicar em requisito inconstitucional ao direito público e subjetivo garantido pela Carta Magna.

 

Mais ainda, não haveria óbice, por exemplo, para que se deferisse a matrícula na faculdade e se condicionasse a expedição do termo de colação de grau, fosse o caso, à conclusão do ensino médio admitindo que ambos fossem cursados de modo concomitante diante das possibilidades do aluno. Nada mais razoável e proporcional para quem já demonstrou que os conhecimentos disponibilizados em grades curriculares às mais das vezes ultrapassadas (aguarda-se a superação do Gramscismo cultural das escolas públicas e privadas que transformam até a matemática em madraçais ideológicos, com a reformulação do setor educacional).

Não se vislumbra qualquer razoabilidade na negativa de matrícula de adolescente em universidade fixado em Resoluções do Conselho Nacional de Educação ou do Conselho Estadual de Educação, sobretudo se sopesado que a Constituição da República determina que o acesso à educação deve ser disponibilizado de forma universal e igualitária, com observância das capacidades individuais de cada um, sem restrições.

 

E é importante não se esquecer de que se deva sempre aplicar, em situações como tal, a Teoria do Fato Consumado, a qual consagra que as situações jurídicas consolidadas pelo decurso do tempo, amparadas por decisão judicial, não devem ser desconstituídas, em razão do princípio da segurança jurídica e da estabilidade das relações sociais (STJ. REsp 709.934/RJ). Mais ainda, no mesmo sentido, de se pedir vênia para destacar:

 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA, COM PEDIDO DE LIMINAR, OBJETIVANDO O INGRESSO DA AUTORA NO CURSO SUPERIOR DE DIREITO. MATRÍCULA GARANTIDA POR MEIO DE LIMINAR CONCEDIDA EM 2012. DECORRIDOS 4 ANOS A SITUAÇÃO ESTÁ CONSOLIDADA PELO DECURSO DO TEMPO. CURSO QUE POSSUI DURAÇÃO TOTAL DE 5 ANOS. APLICAÇÃO DA TEORIA DO FATO CONSUMADO. PRECEDENTES: AGRG NO RESP 1.467.314/PR, REL. MIN. ASSUSETE MAGALHÃES, DJE 9.9.2015 E AGRG NO AG 1.338.054/SC, REL. MIN. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJE 5.11.2015. DECISÃO QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.  1. Aplica-se a teoria do fato consumado ao caso dos autos porque a liminar que lhe garantiu a matrícula no curso superior foi concedida em 2012, há 4 anos, tempo que equivale à quase totalidade do curso que é de 5 anos. 2. Não se pode deixar de observar o enorme prejuízo experimentado pela estudante com a eventual reforma da decisão e, ao revés, não se vislumbra, em absoluto, qualquer dano a ser experimentado pela Instituição de Ensino interessada, cabendo, portanto, a manutenção do aresto recorrido, por considerar consolidada a situação de fato. Precedentes: AgRg no REsp. 1.467.314/PR, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 9.9.2015 e AgRg no Ag 1.338.054/SC, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 5.11.2015. 3. Agravo Interno da UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1402122/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 11/10/2016)

 

Antes de mais nada, portanto, o que se tem em jogo é a preservação do princípio da harmonia da jurisdição, eis que não se pode admitir a coexistência de pessoas que se encontrem em uma mesma situação jurídica e que sejam tratadas de modo diferente. Aliás, nada parece desgastar mais a imagem do Poder Judiciário do que o fato de um jurisdicionado obter uma tutela, enquanto outro, nas mesmas condições, não a consegue.

 

E são inúmeros e notórios os fatos de jurisdicionados que conseguem medidas liminares, como bem o revelam notícias a respeito do mais jovem advogado do país que conseguiu colar grau e ingressar nos quadros da OAB, em certames, aos dezoito anos de idade (https://www.migalhas.com.br/Quentes/17,MI284628,91041 Brasiliense+de+18+anos+e+o+advogado+mais+jovem+do+pais).

 

O candidato em questão obteve liminar para cursar o curso de direito em universidade pública (UNB), com 14 anos de idade e sem concluir o ensino médio, embora aprovado em vestibular. Certamente tal pessoa não havia cursado e concluído o ensino médio.

 

Dando conta de que inúmeras pessoas conseguem se matricular em instituições de ensino superior no país, sem a conclusão do ensino médio a recomendar que a jurisprudência estimule ao invés de impor obstáculos a isso, podem ser destacadas (com isso se tem que se cuida de fatos públicos e notórios eis que amplamente divulgados na mídia e nas redes sociais), no âmbito, por exemplo da Justiça de Alagoas: fonte: http://cadaminuto.com.br/noticia/2011/08/02/justica-garante-matricula-em-faculdade-de-aluna-do-ultimo-ano-do-ensino-medio

 

Negar liminar para garantir matrículas a jovens que ainda não concluíram o ensino médio, desafia o próprio princípio da isonomia, eis que pessoas na mesma condição jurídica, estão sendo tratadas de modo diferenciado por órgãos judiciários, às mais das vezes, por simples postulados ideológicos incompreensíveis.

 

Não obstante exista a regra legal para alunos medianos, tem-se que isso não seria aplicável aos gênios e aos superdotados. Não parece razoável, nem legítimo, nem atende a quaisquer prelados de interesse público que alunos que consigam galgar aprovação em sistema de meritocracia, pessoas que muito colaborarão para o desenvolvimento do país, tenham suas capacidades tolhidas quando outros não as tem, obtendo liminares que lhes permitam concluir cursos a evidenciar o quão draconiana se revela a postura do MEC e quão abusivas à luz do direito constitucional (social) à educação previsto nos artigos 205 e 208 CF.

 

O entendimento no sentido de negativa de tais liminares, em condições como tal, parece ir contra prelados de eticidade (na acepção entendida por autores do quilate de um Karl Larenz) e socialidade (artigo 5º LINDB – conceito caro a doutrinadores como Miguel Reale e Roberto Senise Lisboa e que se encontra previsto no advento da norma contida no artigo 5º LINDB), sendo medida draconiana que não resta lançada pelos parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade que devem nortear os atos do Poder Judiciário.

 

Como é sabido, por esse princípio de razoabilidade, o administrador não pode atuar segundo seus valores pessoais, optando por adotar providências segundo o seu exclusivo entendimento, devendo considerar, primeiramente, valores ordinários, comuns a toda a coletividade.   A propósito, a professora Lúcia Valle Figueiredo conclui, em seu “Curso de Direito Administrativo”, pág. 47:

 

 “Em síntese: a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas. Vai se atrelar às necessidades da coletividade, à legitimidade, à economicidade”.

 

Por seu turno, o princípio da proporcionalidade obriga a permanente adequação entre os meios e os fins, banindo-se medidas abusivas ou de qualquer modo com intensidade superior ao estritamente necessário. O publicista Juarez Freitas assim registra, inO controle dos atos administrativo e os princípios fundamentais”, 2ª. ed., São Paulo, Editora Malheiros, 1999, p. 57):

 

“O administrador público, dito de outra maneira, está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos”

 

  Bem lembrado, por Márcio Elias Fernando Rosa, em seu “Direito Administrativo”, Editora Saraiva, quando leciona:

 

“A Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal, expressamente adota o princípio em seu art. 2º, parágrafo único, VI. Assim como o princípio da razoabilidade, o da proporcionalidade interessa em muito nas hipóteses de atuação administrativa interventora na propriedade, no exercício do poder de polícia e na imposição de sanções.”

  Ainda com relação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, Juarez Freitas, in Revista de Doutrina, publicação da Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região – EMAGIS, ao discorrer sobre “Responsabilidade civil do Estado e o princípio da proporcionalidade”, escreve:

 

“Cumpre notar que o princípio da proporcionalidade não estatui simples adequação meio-fim. Para ser preciso, a violação à proporcionalidade ocorre, não raro, quando, na presença de valores legítimos a sopesar, o agente público dá prioridade a um em detrimento exagerado ou abusivo de outro”

 

  O mesmo autor, no mesmo estudo citado, complementando a sua linha de raciocínio, aponta:

 

“O princípio da proporcionalidade determina que o Estado não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na consecução dos seus objetivos. Desproporções – para mais ou para menos – caracterizam violações ao princípio e, portanto, antijuridicidade”

 

  Segundo José Roberto de Oliveira Pimenta, inOs Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade no Direito Administrativo”, Coleção Temas  de Direito Administrativo, 16, Ed. Malheiros, 2006, capítulo 2, n. 2.3.2. pág. 151:

 

“Sublinha Luiz Roberto Barroso, que “princípio da razoabilidade é um parâmetro de valorização dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de proposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia, o que não seja arbitrário ou caprichoso, o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar’

 

Assim, julgadores devem, até para cumprir com prelados de operabilidade, tratar desigualmente os desiguais, para igualá-los. Há fatores diferenciais (distinguishings) que tornam constitucionais esses tratamentos (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade – Celso Antônio Bandeira de Mello). Logo adiante, ademais, escreve o mesmo autor (José Roberto de Oliveira Pimenta):

 

O próprio STF já decidiu que “os atos do Poder Público, além de sujeitos aos princípios da legalidade e moralidade, também devem atender a princípio da justiça”, em que esta última referência  foi atrelada expressamente à “falta da razoabilidade“ de certa norma editada pela Administração Pública.

 

  Nesse sentido, o mesmo Autor, em sua obra já citada, agora, à pág. 158, ensina:

 

“Nesta vertente, Marçal Justen Filho afirma que o princípio denominado indistintamente proporcionalidade/razoabilidade exige, em primeira linha, o dever de ponderação. Segundo o Autor, “em primeiro lugar, a proporcionalidade se relaciona com a ponderação de valores. Não há uma homogeneidade  absoluta nos valoroso buscados por um dado Ordenamento Jurídico. É inevitável um certo atrito entre os valores. [...] Nessa linha, a proporcionalidade relaciona-se com o dever de realizar, de modo mais intenso possível, todos os valores consagrados pelo Ordenamento Jurídico. O princípio da proporcionalidade impõe, por isso, o dever de ponderar os valores.”

 

  Em sequencia, reproduz a lição de Juarez Freitas, quando trata da proporcionalidade ou da adequação axiológica, e da correspondente vedação de sacrifícios excessivos, anotando que:

 

“a violação à proporcionalidade ocorre quando, tendo dois valores legítimos a sopesar, o administrador prioriza um em detrimento ou sacrifício exagerado do outro. Comum que haja sacrifícios na aplicação do Direito. No entanto, o erro está  em realizar o sacrifício excessivo a um direito [...] o administrador público, dito de outra maneira, está obrigado a sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos.”

 

  Em sua obra já citada, José Roberto Pimenta Oliveira, preleciona, à pág. 500:

 

A maior problemática afeta ao controle judicial das sanções administrativas reside nos efeitos que podem irradiar na ordem jurídica, como instrumento de preservação da legalidade substancial do exercício do jus puniendi pela Administração Pública. É a indagação pertinente à possibilidade judicial, cumulada à invalidação do provimento sancionatório, de exclusão, redução, conversão ou substituição dos gravames impostos. Não há dúvida de que, como direito público subjetivo do infrator, encontra-se “o de sofrer apenas a sanção razoável e proporcional ao ilícito praticado, consideradas as demais circunstâncias previstas em lei”. Todavia, firmada a premissa de que “é imprescindível que a autoridade pública observe, ao impor a penalidade administrativa, a correlação entre os meios e fins, sob pena de cometer ilegalidade”, problema está nas conseqüências, no nível do exercício legítimo da jurisdição nos quadrantes do Estado de Direito, quando incidente sobre a atividade sancionatória.

 

No caso da questão em estudo, parece não ser adequado não se permita a quem já demonstrou ter maturidade e capacidade para o curso, seja indevidamente impedido de cursar o curso para o qual aprovado, por conta de filigranas decorrentes de uma elaboração legislativa que nivele as pessoas por baixo, enquanto outras pessoas conseguem liminares e não tem suas vidas paralisadas, nas mesmas condições.

 

E isso evidenciaria a ideia que já seria hora de se derrogar o entendimento de alguns Juízes que sistematicamente negam liminares em condições como tal, eis que a realidade do país levaria à necessidade de superação desse entendimento restritivo de capacidades de pessoas que tenham mérito para cursar vagas nas universidades (situação de overruling do entendimento em testilha).

 

Tanto é assim que inúmeros arestos dos Tribunais pátrios tem reconhecido para pessoas que conseguem liminares, em condições como essa aplicando-se a já mencionada incidência da teoria da situação jurídica consolidada no tempo – ou seja, no estado em que estão as coisas, alguns conseguem cursar e tem a proteção judicial, o que gera desgaste da máquina judiciária estatal, na forma acima apontada, notadamente à luz do princípio da harmonia da jurisdição. Como exemplos disso, de se destacar, além do aresto do STJ aludido acima:

 

TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL (AC) AC 0007980112016401380300079801120164013803 (TRF-1) Data de publicação: 18/02/2019 EMENTA ENSINO SUPERIOR. APROVAÇÃO EM VESTIBULAR ANTES DA CONCLUSÃO DO ENSINOMÉDIO. CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO ANTES DO INÍCIO DAS AULAS NO CURSOSUPERIOR. MATRÍCULA: POSSIBILIDADE. TEORIA DO FATO CONSOLIDADO. APLICAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. I - Nos termos do disposto no art. 44 , II , da Lei nº 9.394 /96, os cursos de graduação em nível superior são abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo, de modo que legítima a conduta de instituição de ensino superior em recusar a matrícula de aluno que ainda não concluiu o ensino médio. II - A orientação jurisprudencial desta Corte sobre a matéria é firme no sentido de apenas ser possível a realização de matrícula de aluno que, embora não apresente certificado de conclusão de ensino médio no respectivo ato, o faz antes do início do período letivo do curso superior, o que é o caso do autos. III - Deferida a medida liminar em 23/06/2016 (fls. 35/39), foi realizada a matrícula no curso de Engenharia Mecânica Integral, restando consolidada situação de fato que deve ser prestigiada, visto que a estudante está cursando o curso superior há dois anos. IV - Recurso de apelação e remessa oficial aos quais se nega provimento.

 

STJ - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL AgInt no REsp 1522478 RN 2015/0064855-0 (STJ) Data de publicação: 07/06/2019 EMENTA ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA NO CURSO DE PSICOLOGIA. APROVAÇÃO NO ENEM. PENDÊNCIA DO CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. MATRÍCULAGARANTIDA POR MEIO DE LIMINAR CONCEDIDA EM 2013. SITUAÇÃO SOBRE A QUAL O TEMPO ESTENDEU O AMPLO MANTO DA SUA JUSTA IMODIFICABILIDADE. AGRAVO INTERNO DA UNIÃO DESPROVIDO. 1. A demanda objetivou a matrícula de aluno no Cursode Psicologia da UNIVERSIDADE POTIGUAR-UNP, diante da aprovação da parte Autora no ENEM, com a pendência do certificado de conclusão do ensino médio, tendo sido garantido o direito à matrícula no referido Curso Superior por força de liminar concedida em 2013 e confirmada pela sentença. 2. Trata-se, portanto, de situação já estabilizada no tempo e impassível de modificação, porquanto passados mais de 4 anos da concessão da segurança; se a parte impetrante ainda não concluiu o curso superior, encontra-se em etapa avançada dos estudos. 3. Patente que a reforma da decisão acarretaria enorme prejuízo ao estudante, e que não se vislumbra dano a ser experimentado pela Instituição de Ensino ou pela coletividade; outra não deverá ser a solução que não a de se considerar consolidada a situação de fato, mantendo-se, assim, o acórdão, sob pena de causar à parte impetrante desnecessário prejuízo. É um caso excepcional em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos do que a manutenção da situação consolidada. Precedentes: AREsp. 883.574/MS, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 19.10.2017; AgRg no AREsp. 445.860/MG, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 28.3.2014 e AgRg no Ag 1.397.693/SP, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 23.3.2012. 4.

 

TJ-ES - Apelação APL 00156461020138080030 (TJ-ES) Data de publicação: 21/08/2017 EMENTA REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL – VESTIBULAR – APROVAÇÃO EM CURSOSUPERIOR – SEM CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO – GREVE NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO – LIMINAR DEFERIDA HÁ MAIS DE TRÊS ANOS – TEORIA DO FATO CONSUMADO – RECURSO IMPROVIDO. 1 – A medida liminar foi deferida em 20 de janeiro de 2014, estando o apelado cursando a faculdade de Engenharia de Produção há mais de três anos e meio – ou seja, é provável que já esteja iniciando o 8º período letivo, não sendo razoável fazer a estudante voltar ao ensino médio. 2 - ¿Conforme a orientação jurisprudencial do STJ, aplica-se a teoria do fato consumado nas hipóteses em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso do tempo em razão de ordem judicial concedida em mandado de segurança. 4. Agravo regimental não provido¿. (STJ, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 20⁄03⁄2014, T2 - SEGUNDA TURMA). 4 - Recurso improvido.

 

STJ - RECURSO ESPECIAL REsp 1660391 RN 2017/0007002-5 (STJ)

Data de publicação: 12/05/2017 EMENTA ENSINO. EXPEDIÇÃO DE CERTIFICADO DE CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. APROVAÇÃOEM CURSO SUPERIOR. ACÓRDÃO A QUO. FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126/STJ. 1. O acórdão recorrido assentou que negar o direito de matrícula à recorrida ofende o princípio do direito de acesso à educação. Assim, incabível a análise do acerto da fundamentação do Tribunal de origem, uma vez que tal matéria, de ordem constitucional, não pode ser revista, mediante Recurso Especial, sob pena de usurpação de competência do STF. Ademais, o recorrente não atacou, via Recurso Extraordinário, o referido fundamento constitucional. Incidência da Súmula 126 do STJ . 2. Recurso Especial não conhecido.

 

Observe-se que o aresto do STJ é datado de 2019, portanto, entendimento recente, uma verdadeira luz no final do túnel em relação ao tema que se debate. Reconhecendo o avanço da jurisprudência pátria no sentido da possibilidade de reserva de vaga, em condições como tal:

 

TJ-AM - 40052743020168040000 AM 4005274-30.2016.8.04.0000 (TJ-AM)

Data de publicação: 26/06/2017 EMENTA APROVAÇÃO EM CURSO SUPERIOR.NÃO CONCLUSÃO DO ENSINO MÉDIO. AVANÇO DE CURSO POR MEIO DO SUPLETIVO. CERTIFICADO DE CONCLUSÃO ANTES DO INÍCIO DO ANO LETIVO. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Caminha a jurisprudência pátria no sentido de ser possível reservar vaga de aluno aprovado em vestibular de universidade que ainda não tenha o certificado de conclusão do ensino médio, desde que este (certificado) seja adquirido antes do início do ano letivo, o que aconteceu no caso em tela, porquanto que, o início do ano letivo ocorreu no dia 20/02/2017, tendo a agravante concluído o ensino médio no dia 02/01/2017. 2. Em uma interpretação hermenêutica concretizadora, ou seja, que dê eficácia à constituição , verifica-se que a educação é o pilar basal da construção do homem em seu sentido lato, posto que não se pode negar que somente através da educação podermos garantir o desenvolvimento nacional, combater a pobreza, a marginalização e, o principal, concretizar ao máximo a igualdade substancial tanto almejada pelo constituinte. 3. Recurso conhecido e provido

 

Tudo isso sem prejuízo da própria constatação no sentido de que há efetiva violação ao quanto destacado nos artigos 205 e 208 da Constituição Federal e artigos 54 ECA e 44 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, diplomas que garantem o exercício do direito de obter educação, notadamente por parte de pessoa menor, que, repita-se, tem o direito público e subjetivo de obter o ensino médio o que não pode ser exercido como um dever (posição jurídica passiva contra a sua vontade). Impor a um médico aulas de sociologia e filosofia por razões de pura ideologia (este autor lê livros desta matéria e reconhece sua relevância mas entende haver abuso na imposição obrigatória fora das ciências humanas e sociais – depois de formado haverá tempo para leituras deste jaez, se houver interesse do profissional) quando o mesmo já comprovou ter conhecimentos necessários em tal seara tendo sido aprovado no certame se revela como medida draconiana, efetiva teratologia.

 

Para que não se questione algum tipo de preconceito contra a filosofia ou a sociologia citadas como exemplos para um médico, poderia se prosseguir dando-se o exemplo, de obrigar um profissional do direito a ter que conhecer limites e derivadas na seara matemática, o que pouco importará em seu dia a dia no exercício profissional, embora o estudante possa ser um virtuose em ciências políticas muito úteis para a compreensão da teoria do Estado e dos demais ramos do direito público – não há sentido em exigir-se excelência em todas as matérias do ciclo do ensino médio quando o aluno já demonstrou ter suficiência na aprovação no certame universitário seja pela via do vestibular, seja pelos critérios do ENEN, com suas barreiras, o que deveria ser repensado pelo MEC para conferir maior coerência com os propósitos desses certames.

 

Observe-se que a norma contida no artigo 205 CF que estabelece que o acesso à educação deva ser estimulado e não tolhido, observe-se:

 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

Isso já bastaria para caracterizar a inconstitucionalidade da exigência legal de comprovação da conclusão do ensino médio enquanto critério eleito pelo legislador pátrio, numa interpretação estruturante do texto constitucional (Canotilho).

 

De igual modo o artigo 208 da mesma Carta Política aponta no sentido de uma garantia de acesso aos níveis mais elevados de educação segundo a capacidade de cada um – ou seja, há uma regra geral que não impede que seja superada pela capacidade individual de cada indivíduo. E o artigo 54 ECA praticamente reproduz a redação do artigo 208 CF.

 

Essas as razões que se chama para a reflexão em torno do tema.

 

*ADVOGADO MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR -  COORDENADOR NACIONAL DOS CURSOS DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL, DIREITO IMOBILIÁRIO E DIREITO CONTRATUAL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING FORMAÇÃO EM SAÚDE.

**ADVOGADA, ESPECIALISTA EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AUTORA DE ARTIGOS JURÍDICOS