Emenda Constitucional da Relevância, criada para desafogar STJ, será inócua se vigorar imediatamente, alerta professor Daniel Neves 

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Para mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e sócio fundador do NDF Advogados, apenas uma regulamentação infraconstitucional cerrará ‘portas secundárias’ que podem ser utilizadas por recorrentes para frustrar o objetivo da nova legislação

 

São Paulo, 10 de agosto de 2022- A Emenda Constitucional 125/22, que altera a Constituição Federal e cria um filtro para os Recursos Especiais dirigidos ao STJ com a finalidade de desafogar a corte, corre o risco de se tornar inócua se passar a valer imediatamente, sem regulamentação que defina questões em aberto, alertou, durante aula que ministrou a um seleto grupo de advogados, o professor Daniel Amorim Assumpção Neves, doutor em Direito Processual e sócio fundador do NDF Advogados. 

O objetivo da emenda é imprimir celeridade à resolução das questões judiciais. Segundo dados apresentados pela relatora da PEC da Relevância, a deputada Bia Kicis (PL-DF), em 1989 foram julgados 856 Recursos Especiais pelo STJ. Desde então, o volume aumentou de forma exponencial; somente no ano passado, foram 72.311 Recursos Especiais julgados pelo tribunal. Cada um dos ministros do STJ recebe 10 mil novos processos anualmente. 

O professor e parecerista Daniel Neves aponta que a Emenda Constitucional traz uma indefinição sobre o início de vigência. “Segundo o parágrafo terceiro da PEC, o STJ pode exigir sua aplicação imediata; por outro lado, o caput do parágrafo segundo cita que a “relevância” citada no texto será definida nos termos da lei, o que sugere a dependência de uma lei infraconstitucional para regulamentar a emenda; então há uma indefinição se a repercussão da questão federal prevista na Emenda Constitucional já poderia ser exigida”, diz o professor. 

“Pode haver a tentação da parte do STJ de aplicar de forma imediata a nova emenda, porém não seja pragmaticamente interessante para o próprio tribunal a adoção dessa postura”, argumenta Neves. “Falta a ela a potencialidade máxima para diminuir o número de processos que chegam lá, dependendo para isso da criação de uma lei infraconstitucional que crie os mecanismos que fechem algumas portas secundárias de acesso ao tribunal, que não poderiam ser fechadas por meio da lei constitucional.” 

Uma das “portas secundárias” detectadas pelo professor e por meio da qual os recorrentes podem burlar o que pretende a nova legislação é o agravo do artigo 1.042 do Código do Processo Civil, recurso cabível diante de uma decisão proferida pelo tribunal local que impeça o seguimento do Recurso Especial, levando dessa forma o processo de qualquer maneira para o tribunal superior. 

“Vamos imaginar que a PEC seja aplicada e o STJ diga que um caso de, por exemplo, revisão de cláusula contratual de locação de imóvel não tem relevância, os tribunais de segundo grau sigam a decisão e comecem a dizer que esse tipo de matéria não tem relevância para Recurso Especial; o mais provável é que os advogados continuem entrando com Recursos Especiais, e os presidentes e vices de tribunais de segundo grau comecem a negar seguimento a esses recursos; muito provavelmente os advogados  entrarão com o agravo do 1.042, que sobe obrigatoriamente para o STJ”, antevê Daniel Amorim Assumpção Neves. “Resumo da ópera, o Recurso Especial chega ao STJ da mesma forma, e o volume de processos que chega aos ministros seguirá enorme; se o objetivo da emenda constitucional é fazer com que o processo não chegue ao STJ, então o trabalho foi feito pela metade; ele pode não chegar via Recurso Especial, mas chegará por meio de Agravo em Recurso Especial.” 

Na visão do parecerista, o meio para cerrar em definitivo essas “portas secundárias” de acesso ao tribunal é a regulamentação, mas para que isso aconteça, demorará mais um pouco para que a emenda entre em vigor. 

“A lei que virá para regulamentar a PEC provavelmente incluirá uma norma que irá prever o não-cabimento do agravo do artigo 1.042 para a decisão que inadmitir o Recurso Especial com fundamento em falta de relevância; aí sim o trabalho dos legisladores estará feito e o objetivo de desafogar o STJ será finalmente alcançado porque então eles vão finalmente conseguir o desestímulo final à interposição do Recurso Especial, o advogado saberá que não adianta entrar com o Recurso Especial porque ele será inadmitido, e uma vez inadmitido você não vai ter como fazer seu processo subir para o tribunal superior ”, explica Neves. 

“Mas enquanto você puder contar com o agravo do artigo 1.042 para fazer seu recurso subir, por mínima que seja a chance de sucesso vislumbrada, ou às vezes até para dar uma satisfação para o cliente, dizer que você foi até onde era possível, o advogado tende a persistir”, conclui Neves. 

O professor traça um paralelo com o que aconteceu após outra emenda constitucional, a da repercussão geral, introduzida em 2004 e que limpou a pauta do Supremo Tribunal Federal ao possibilitar ao tribunal que selecionasse os Recursos Extraordinários que iria analisar de acordo com critérios de relevância jurídica, política, social ou econômica. “Quem viveu o surgimento da emenda da repercussão geral sabe que era uma coisa antes e outra depois, a quantidade de recursos extraordinários antes e depois; no início ainda se fazia muitos, porque era o costume, mas vai cansando, desistimos aos poucos ao ver que não tinha efeito até chegar ao desânimo absoluto, e certamente vai acorrer algo semelhante no STJ.” 

O texto da PEC prevê um grupo de casos em que já há a presunção de relevância, caso de ações de improbidade administrativa, penais e aquelas com valor superior a 500 salários mínimos (R$ 606 mil). 

 

Daniel Amorim Assumpção Neves* –  É parecerista e advogado atuante em questões judiciais e arbitrais, reconhecido e citado em decisões de Tribunais Superiores e Tribunais locais, com mais de mil menções em decisões monocráticas do STJ. Mestre e doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo, USP, Professor de Processo Civil há mais de 20 anos. Autor de inúmeros artigos e mais de uma dezena de livros que se tornaram referência no meio jurídico, como “Manual de Direito Processual Civil”, “Manual de Processo Coletivo”, “Ações constitucionais”, “CPC comentado artigo por artigo” e “Manual de direito do consumidor”. Foi indicado, por diversas vezes, como um dos advogados mais admirados da Revista Análise Advocacia 500. É sócio fundador do NDF Advogados em São Paulo e Natal, RN.

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