EM TRINTA ANOS DE CÓDIGO DO CONSUMIDOR CERTOS DIREITOS QUE O CONSUMIDOR TEM AINDA SÃO DESCONHECIDOS.

Conteúdo do Artigo: 

JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA ADVOGADO, MAGISTRADO APOSENTADO E PROFESSOR COORDENADOR NACIONAL DO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO – ESD PROORDEM CAMPINAS E DA PÓS GRADUAÇÃO EM DIREITO MÉDICO DA VIDA MARKETING.

 

 

O tema é muito amplo. Há vários nichos de mercado de consumo (vivemos, enfim, na sociedade de consumo como pontuado por propriedade pelo saudosoZigmutBauman), mas temos uma Código do Consumidor que impede vários tipos de práticas abusivas que são praticadas rotineiramente no comércio em geral, a despeito de uma vigência de cerca de trinta anos.

 

Infelizmente, isso ocorre porque há, em primeiro lugar, falta de informação a respeito do tema (embora os estabelecimentos comerciais tenham que ter cópias do Código do Consumidor em suas dependências para consulta, fato é que isso implica em garantia ineficaz, eis que o consumidor, sobretudo de baixa escolaridade não sabe onde procurar na lei e não compreende o pesado “juridiquês” utilizado em linguagem técnica).

 

O déficit é informacional e pessoas sobretudo o grande contingente que habita periferias e regiões mais pobres do país, mal sabe que pode estar sendo vítima de engodos. Outro problema, a morosidade da máquina judiciária em lidar com o problema muitas vezes é um fator de estímulo ao descumprimento.

 

Não se desconhece que exista grande empenho de juízes e serventuários do sistema judicial, mas a grande falta de estrutura judicial, cortes orçamentários, excesso de serviços, levam a um quadro de dificuldade de respostas rápidas e satisfativas por parte do Poder Judiciário em relação aos lesados – isso estimula os maus fornecedores a fazerem contas.

 

Ou seja, se eu sou um mau fornecedor, por exemplo um operador de plano  de saúde, posso ser tentado a recusar tratamentos de saúde que seriam cobertos, apenas e tão somente partindo da perspectiva de que, se atender a todos gastarei, digamos, um milhão de reais, mas se não atender nenhum, gastarei nada, ao menos neste momento.

 

Estatisticamente, se metade dos não atendidos se conformar, já economizei meio milhão que será muito mais que a sucumbência devida à outra metade que for judicializar a questão, o mesmo vale para aqueles que irão pedir danos morais.

 

Isso não leva em conta que, dos que irão judicializar, muitos irão com advogados que não são especialistas no tema e que poderão perder as demandas, outros irão aceitar acordos em valores pífios ou muito desvantajosos por falta de segurança no sistema (segurança jurídica) ou por simples premência (preciso de dinheiro HOJE, ou mais vale um pássaro na mão que dois voando e por aí vai), muitos irão ganhar, mas serão vítimas de recursos que demorarão a ser julgados (o que fará com que aumente o número de pessoas que aceitará acordos desvantajosos na execução).

 

De igual modo, tem-se ai um percentual que não ganhará indenizações por danos morais, afinal embora não se reconheça mais ser indecente cobrar pelo pretiumdoloris(Súmula 37 STJ) ainda se fala em indústria do dano moral e enriquecimento sem causa em casos de mero aborrecimento e, indenizações, quando vem, o vem em patamar pífio – não se aplica com vigor o fator de desestímulo – a exemplarydamagestheory do sistema jurídico da Common Law, do direito anglo-saxão em que a jurisprudência se preocupa com aspectos de prevenção geral no direito indenizatório.

 

Haveria que se tomar o cuidado de aprimorar a legislação, sobretudo em situações de massa (contratação por adesão) no sentido de responsabilizar automaticamente os gestores – isso porque, pense-se no setor de transporte público – indenizações por danos morais que se fixem no decorrer do ano, por lesões ocasionadas a consumidores, são repassadas como custo do serviço ao final daquele período e isso impacta o custo do serviço sendo transferido ao usuário e não ao gestor – não há fator pedagógico nisso – há que se pensar em formas de responsabilizar diretamente os sócios para que estes determinem causas que eliminem os problemas tornando menos tentador ganhar tempo para ficar esperando sanções pífias.

 

Isso sem que sequer se entre na discussão de teorias exógenas, realmente estranhas, que visam, a todo custo, conferir subjetividade aos honorários sucumbenciais (haveria aí uma tentativa de manter clientelismo entre juízes e advogados a despeito da autonomia funcional do artigo 6º EOAB ? Tenho que ser muito cordado e subserviente sob pena de ganhar honorários pífios ? Seria disso que se trata ? Esperemos que não – andou bem o Conselho Federal ao ingressar com a ADC 71 junto ao STF para garantir a constitucionalidade do artigo 85 CPC e manter balizas objetivas da fixação da sucumbência).

 

Além disso, há grande número de barreiras que estimulam o fornecedor de produtos e serviços a descumprir a lei – a fiscalização é ineficiente, grande parte dos consumidores não procura nem o Procon para autuar com multa, nem o Poder Judiciário para impor sanções, e quando procura, a resposta é por demais lenta (por falhas estruturais do sistema) e nem sempre é a desejada pelo consumidor.

 

E não é só. O Código do Consumidor traz direitos básicos, que não esgotam direitos que possam ser adquiridos por contrato (por exemplo, descontos em promoções etc). Vamos analisar apenas alguns direitos básicos:

1 - Produto com defeito (há apenas que se tomar cuidado pois se o vício for de fácil constatação o prazo de reclamação é muito curto nos termos do artigo 26 CDC) – o consumidor tem as seguintes opções: A) desfazer o negócio e receber de volta o que pagou, incluindo despesas que teve; B) A reparação do produto; C) Abatimento proporcional do preço (um carro com peças trocadas não originais perde valor, por exemplo) e D) obter um novo produto, sem o defeito.

 

Isso resta expresso no advento da norma contida no artigo 18 e seus consectários CDC, de modo ipsis literae:

 

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2º Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3º O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4º Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1º deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1º deste artigo.

§ 5º No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6º São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.

 

2 – Não se pode exigir valor mínimo para compra com cartão de crédito. Isso porque o consumidor não pode ser obrigado a comprar o que não quer só para atingir um limite imaginado pelo comerciante – isso é vantagem abusiva – artigo 39, V CDC. Pelas mesmas razões, não se exigir uma consumação mínima (artigo 39, I CDC) – isso gera a chamada “venda casada”.

 

3 – Planos de Saúde não podem limitar dias de internação em hospital ou em UTI (Súmula 302 STJ), nem a Resolução da ANS pode prevalecer sobre o tema. Vale apenas lembrar que no último ano o STJ restringiu o âmbito de contratos de plano de saúde que poderiam ser objeto de reconhecimento como relação de consumo ao revogar a Súmula nº 469 pela Súmula 609 (são excluídas do âmbito das relações de consumo os contratos de auto-gestão).

 

4 – Não se pode cobrar por perda de comanda em estabelecimento presumindo-se que o consumidor perdeu de má-fé. Isso é ato de abuso de direito do fornecedor.

 

Algumas cidades como se dá, por exemplo, no caso da cidade de Goiânia, existem leis municipais prevendo imposição de multas para estabelecimentos que cobrem multas de consumidores que percam suas comandas (LEI MUNICIPAL Nº 9.714, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2015).Sobre a questão, de se pedir vênia para destacar o sempre lembrado exemplo da jurisprudência:

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. CASA NOTURNA. EXTRAVIO/FURTO DO CARTÃO DE CONSUMAÇÃO. RETENÇÃO DO CLIENTE NO INTERIOR DA CASA NOTURNA. ILEGALIDADE CONFIGURADA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. 1. Não há dúvidas quanto à ilegalidade da conduta adotada por casas noturnas, no que se refere à retenção do cliente no interior do estabelecimento, em caso de extravio ou furto da comanda, até que seja encontrado o cartão de consumação ou até o final da festa- o que ocorrer primeiro. Como dificilmente o cartão da consumação é encontrado até o fim da festa, o mais comum é a retenção das pessoas até esse momento. Tal conduta é flagrantemente abusiva, ilegal e não pode passar incólume, como se legal fosse. Trata-se de evidente abuso de direito das casas noturnas, na tentativa de não sofrerem prejuízos em caso de extravio ou furto do cartão de consumação. 2. No caso, a prova testemunhal produzida é suficiente para comprovar o fato alegado pela autora, que atendeu ao que dispõe o art. 333, I, do CPC, não tendo a ré produzido prova suficiente em sentido contrário, desatendendo ao que dispõe o art. 333, II, do CPC. 3. Restou evidenciado que a autora teve cerceado o seu direito de liberdade de ir e vir quando bem lhe aprouvesse, na medida em que ficou retida na casa noturna demandada até o esgotamento de todas as possibilidades de encontrar a comanda, o que ocorreu no final da festa, ao amanhecer. 4. Assim, configurado o dano moral diante da privação da liberdade da autora, do desgaste e da exposição a que foi submetida pela ré. 5. Quantum indenizatório reduzido para R$ 4.000,00, considerando os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Sentença parcialmente confirmada pelos próprios fundamentos. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71004120481, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Luís Francisco Franco, Julgado em 13/06/2013)(TJ-RS , Relator: Luís Francisco Franco, Data de Julgamento: 13/06/2013, Terceira Turma Recursal Cível).

 

5 – Embora o garçom não tenha culpa por isso e bons atendimentos devam ser estimulados, o fato é que a cobrança da taxa de gorjeta (10%) não é obrigatória para o consumidor – é devida pelo empregador ao profissional, não podendo seu custo ser repassado ao consumidor, sem seu consentimento. Isso se extrai como vantagem abusiva prevista no artigo 39 CDC e não encontra previsão legal (ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer qualquer coisa a não ser mediante previsão legal – artigo 5º, inciso II CF). Sobre a questão já decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região já decidiu:

 

CONSTITUCIONAL, CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ESTABELECIMENTOS COMERCIAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. COBRANÇA DE ACRÉSCIMO PECUNIÁRIO (GORJETA). PORTARIA Nº. 4/94 (SUNAB). VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.I - O pagamento de acréscimo pecuniário (gorjeta), em virtude da prestação de serviço, possui natureza facultativa, a caracterizar a ilegitimidade de sua imposição, por mero ato normativo (Portaria nº. 4/94, editada pela extinta SUNAB), e decorrente de convenção coletiva do trabalho, cuja eficácia abrange, tão-somente, as partes convenientes, não alcançando a terceiros, como no caso, em que se pretende transferir ao consumidor, compulsoriamente, a sua cobrança, em manifesta violação ao princípio da legalidade, insculpido em nossa Carta Magna (CF, art. II) e ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/90, arts. IV, e 37§ 1º), por veicular informação incorreta, no sentido de que a referida cobrançaestaria legalmente respaldada (Apelação Cível AC 2001. 1.00.037891-8/DF, rel. Desembargador Federal Souza Prudente. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Publicado em 13/10/2008).

 

6 – Existe a possibilidade de desistir de negócio em compras online (artigo 49 CDC), no prazo de sete dias da entrega. Nas compras físicas, alguns contratos podem ser feitas como compra ad gustum (“se não ficar satisfeito com o produto, devolvemos seu dinheiro”) nos termos da previsão lançada no Código Civil – mas deve haver cláusula expressa para que isso ocorra nas compras em estabelecimentos físicos – isso seria decorrência de eticidade (conceito caro a doutrinadores como Karl Larenz) eis que o consumidor pode ver a mercadoria diretamente, o que não se deu no caso da compra online em um estabelecimento virtual.

 

7 – há garantias legais que surgem a partir do aparecimento do defeito, não havendo necessidade de contratar seguro ou garantia estendida. O mesmo vale para aqueles vendedores que ladram o mantra no sentido de que a garantia seria de 24 horas na loja e depois somente junto ao fabricante, isso porque, como sabido, a responsabilidade de todos os engajados na relação de consumo é solidária e objetiva (aplica-se aqui o princípio ubicommodaibiincommoda – quem aufere vantagem arca com a desvantagem do negócio numa tradução literal e livre).

 

8 – Não se pode cobrar preços diferenciados de homens e mulheres em bares e espetáculos – mulheres não são mercadorias, não são estratégia de marketing – isso viola princípios do Código do Consumidor (artigo 4º) e a própria Constituição.Vivem-se em tempos politicamente corretos – e esse tipo de publicidade pode ser visto como algo sexista ou misógino.

 

Estabelecimentos que repetirem esse ato estão sujeitos às sanções previstas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, a serem aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor.

A prática coloca a mulher em patamar de inferioridade de forma indigna, em afronta ao artigo 4º do CDC e ao artigo 1º da  Constituição Federal como apontado por nota técnica, assinada pelo secretário nacional do consumidor, Arthur Rollo, e pela diretora do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, Ana Carolina Pinto Caram, no ano de 2017.

 

9 – Não se podem efetuar vendas casadas – emprestar dinheiro e exigir seguro do mesmo banco para garantir o contrato. Não se pode vender um produto condicionado à venda de outro.

 

10 – Couvert artístico somente pode ser cobrado se houver placa e indicação clara de sua cobrança na entrada do estabelecimento e desde que seu valor seja fixo (não pode ser porcentagem da conta, por exemplo). Se não houver aviso prévio – isso pode ser entendido como disponibilidade gratuita pelo fornecedor.

 

11 – Serviços não solicitados são considerados amostras grátis, não podendo ser cobrados (artigo 39, inciso III CDC) e isso tem sido estendido aos serviços que são cancelados e continuam sendo prestados mesmo depois disso. Inclusive no silêncio da cobrança de valores congêneres, interessante o precedente:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO. COMPETÊNCIA DO PROCON ESTADUAL PARA FISCALIZAR O CUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA NO QUE TANGE AO SERVIÇO DE TELEFONIA MÓVEL. APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA. LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE PLURALIDADE DE VÍTIMAS. IRRELEVÂNCIA. OFERECIMENTO GRATUITO DE INTERNET. COBRANÇA DE TARIFA EM ROAMING INTERNACIONAL. IMPOSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO DO SERVIÇO À AMOSTRA GRÁTIS. PRÁTICA INFRATIVA À LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA. OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 6º, VI, C/C ART. 39, III E PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DO CDC. VALOR DA MULTA. MANUTENÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do caput do art. 127 da Constituição da República, dentre as funções institucionais do Ministério Público, mostra-se elencada a tutela dos interesses sociais - como é o caso do direito dos consumidores -, cuja defesa foi alçada pelo Constituinte Originário à categoria de direito fundamental e princípio fundante da ordem econômica (art. 5º, XXXII, c/c art. 170, V, ambos da CR). 2. Em densificação ao desígnio constitucional, a Lei nº 8.078/90, em seu art. 4º, buscou estabelecer diretrizes para a implementação de uma política nacional de relações de consumo e, com a finalidade de criar instrumentos para sua efetivação, franqueou a instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do Ministério Público (art. 5º, II). 3. Além disso, o Ministério Público ficou expressamente autorizado a promover a defesa dos interesses coletivos dos consumidores não só em juízo (arts. 81, parágrafo único, c/c art. 82, I, da Lei nº 8.078/90), como também administrativamente, mediante a aplicação das sanções previstas no art. 56 do diploma legal em caso de infração das normas consumeristas, a exemplo da multa (inciso I). 4. Diante desse panorama normativo, é indene de dúvida a competência do Ministério Público para, por intermédio do PROCON Estadual, exercer o poder de polícia no desiderato de apurar eventuais violações às normas consumeristas e, após instauração do devido processo administrativo, proceder à imposição das penalidades previstas no art. 56 da Lei nº 8.078/90, de acordo com as explicitações do Decreto nº 2.181/1997. 5. Não há falar-se em incompetência do PROCON para aplicação de multa em decorrência de reclamação individual, porquanto a sanção administrativa prevista no art. 57 do CDC tem arrimo no poder de polícia, cujo exercício se legitima mesmo que inexistente pluralidade de vítimas. 6. Conforme salientado pelo Superior Tribunal de Justiça, há nesse raciocínio clara confusão entre legitimação para agir na Ação Civil Pública e Poder de Polícia da Administração. Este se justifica tanto nas hipóteses de violações individuais quanto nas massificadas, considerando-se a repetição simultânea ou sucessiva de ilícitos administrativos, ou o número maior ou menor de vítimas, apenas na dosimetria da pena, nunca como pressuposto para o exercício do Poder de Polícia do Estado (REsp 1523117/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 04/08/2015). 7. Ainda que a atividade de telefonia móvel se insira na órbita de competência federal, sujeitando-se à atividade fiscalizadora e normativa da ANATEL, tal fato não tem o condão de excluir a atuação do PROCON quando constatada lesão a direito dos consumidores, na medida em que às agências reguladoras cabe apenas zelar, em sentido amplo, pela regular execução do serviço público prestado. 8. O oferecimento do serviço de internet via mini-modem, sem a prévia solicitação do consumidor,configura, per si, prática abusiva. Ademais, uma vez anunciado como amostra grátis, não pode o fornecedor criar hipótese de obrigação de pagamento por parte do consumidor, ainda que constante do termo submetido à assinatura deste, sob pena de ofensa à norma inserta no art. 39, III e parágrafo único, do CDC. 9. A previsão de cobrança de tarifa, ainda que em hipótese restrita, desnatura a oferta grátis anunciada ostensiv (TJ-MG - Apelação Cível 1.0024.14.255505-1/001, Relator(a): Des.(a) Maria das Graças Rocha Santos (JD Convocada), julgamento em 11/09/2019, publicação da súmula em 12/09/2019).

 

12 – Multas por atraso somente podem atingir 2% (artigo 52 CDC). Isso vale para multas moratórias não para compensatórias que também não podem superar os limites da chamada Lei da Usura – DL 22.696 de 1.933 ainda em vigor.

 

13 – Cobranças indevidas devem ser devolvidas em dobro em favor do consumidor (artigo 42 CDC). Observe que esta multa não se confunde com a do artigo 940 CC que se refere a propor demanda, demandar, para os efeitos do artigo 42 CDC basta que haja cobrança, ainda que não seja judicial.

 

A priori não seria o caso de se exigir o dolo como ocorre com o caso do artigo 940 CC por conta da Súmula 159 STF, mas do ponto de vista prático, a jurisprudência não tem reconhecido a incidência desta multa sem o dolo da parte contrária. Nesse sentido, por exemplo:

 

TJ-MS - ApelacaoCivel AC 10511 MS 2001.010511-0 (TJ-MS)Data de publicação: 04/02/2002APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA - SECURITIZAÇÃO - LEI 9.138 /95 - FALTA DE COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS - NULIDADE DA EXECUÇÃO AFASTADA - MULTA CONTRATUAL ESTIPULADA EM 10% - REDUÇÃO PARA 2% - CONTRATO CELEBRADO ANTES DA LEI 9.298 /96 - REDUÇÃO ADMITIDA - RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR - APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 1.531 DO CC E 42 DO CDC - IMPOSSIBILIDADE - FALTA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ OU DOLO DO CREDOR - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

 

TJ-MG - 200000035696510001 MG 2.0000.00.356965-1/000(1) (TJ-MG)Data de publicação: 11/05/2002DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL - RELAÇÃO DE CONSUMO CONFIGURADA - MULTA DE MORA POR INADIMPLEMENTO - INCIDÊNCIA DA LEI 9.298 /96 - PENALIDADE PREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC - INAPLICABILIDADE. As multas de mora pelo inadimplemento de obrigações não poderão ser superiores a dois por cento do valor da prestação (artigo 52 , parágrafo primeiro, da Lei 8.078 /90, CDC , em redação conferida pela Lei 9.298 /1996). Se a prestação inadimplida vem a ser paga na vigência da nova disposição, deve o cálculo da dívida adequar-se aos ditames desta. Inexistindo nos autos qualquer demonstração de que a cobrança efetuada tenha sido de modo diverso do que fora contratado e inicialmente aceito pelo devedor, ou ainda, que tenha a credora agido com dolo ou culpa. Tal fato desobriga a fornecedora da repetição prevista no parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

 

TJ-PR - Apelação Cível AC 4859792 PR 0485979-2 (TJ-PR)Data de publicação: 20/08/2008ARTIGO 192 § 3º DA CF REVOGADO PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 40 , DE 29/05/2003. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS BANCÁRIOS. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APLICABILIDADE DA COMISSÃO DE PERMANÊNCIA DESDE QUE NÃO CUMULADA COM CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL. INCIDÊNCIA DO ART. 42 DO CDC , ANTE O DOLO NA COBRANÇA INDEVIDA. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE EXPRESSA PACTUAÇÃO. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DE APELAÇÃO E DESPROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO.

 

Convém forçar a parte contrária a se comportar com dolo ? Como  ? Apontar na demanda que a parte contrária está orientada por advogado está ciente de que a cobrança é indevida e que, se insistir nisso, em contestação ou em réplica, conforme o caso, passará a atuar, no mínimo, com dolo eventual.