DEMOCRACIA E CIDADANIA - ASPECTOS JURÍDICOS

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JÚLIO CÉSAR BALLERINI SILVA -  MAGISTRADO E PROFESSOR

Cuida-se de delicada tarefa, a de abordar o tema suscitado, eis que se trata de analisar (e opta-se por encetar o método analítico, separando os termos de forma isolada para depois concluir sobre seu conjunto) dois fenômenos poliédricos (figura de linguagem que se empresta da geometria para exprimir fenômenos complexos que apresentem mais de uma face, permitindo que se cheguem a variadas conclusões, dependendo do ângulo que se enfoque a questão).

Com efeito, e nisso residiria o caráter poliédrico apontado, cuida-se de duas realidades complexas, que podem ser abordadas sob variados enfoques (seja a partir do enfoque da ciência política, da ciência social, da geopolítica, sob um ponto de vista ideológico, numa discussão entre pessoas leigas, sem maior rigor formal, e, até mesmo, sob a ótica do direito, inclusive, do direito constitucional, eis que não afastadas outras possibilidades de enfoque dentro do campo do direito, como v.g., poder-se-ia dar em relação à filosofia do direito).

Acresça-se a isso o aspecto da delimitação espácio-temporal, vez que o presente trabalho não tem foro de universalidade e atemporalidade, mas, ao contrário, pretende-se tecer comentários a respeito do relacionamento entre democracia e cidadania, na atualidade, no Brasil (obviamente que se poderia discorrer a respeito da questão da cidadania na Grécia Antiga, ou na Europa atual, o que também ocasionaria outros problemas, como, por exemplo, no primeiro caso, a delimitação do que se poderia denominar mundo helênico, com suas disparidades, mormente se compararmos o "modus vivendi" ateniense e espartano, antes e após a Guerra do Peloponeso).

Não é, portanto, objeto do presente estudo o esgotamento do tema referente às relações entre a Democracia e a Cidadania, mas, seria conveniente, ao menos em sede de se situar a questão, traçar breves linhas a respeito dos limites conceituais de cada um dos termos componentes do trabalho.

 

 

ALGUNS ASPECTOS CONCEITUAIS

 

 

Nestes termos, ou seja, partindo-se do pressuposto espácio-temporal retromencionado, a expressão "cidadania", que deriva da expressão latina "civitas", corrente na Roma Antiga, designando, originariamente, uma versão anterior da expressão nacionalidade (é, aliás, bastante controversa, a existência de um direito internacional em Roma, posto que, segundo copiosa doutrina, somente se poderia vir a falar em Estados Nacionais, séculos após, com o advento da chamada "Paz de Westphalia", mais precisamente em meados de 1.648, como forma de se por fim a uma revolta camponesa).

Mas, originariamente, o termo cidadania se fazia acompanhar desta carga internacionalista, eis que se aproximava da noção de nacionalidade, aplicando-se, originariamente aos cidadãos romanos, membros do patriciato, embora, paulatinamente, com o decorrer do tempo, passou a se estender aos outros povos (mais propriamente, com a extensão da influência do "jus gentium" em relação ao "jus civilis" ou direito quiritário).

Sobre o tema, aliás, interessante a opinião de Sílvio de Macedo, para quem cidadania seria: "conceito análogo ao de nacionalidade, no direito constitucional e no direito internacional público e privado".1

Aliás, o não menos eminente internacionalista Haroldo Valladão, traça um interessante ensaio histórico da utilização das expressões naturalidade e cidadania, em nosso direito pátrio, e, mesmo antes, no direito reinícola português (as Ordenações Filipinas já se utilizavam das expressões como sinônimas, gerando certa celeuma conceitual)2.

Mas, se num primeiro momento, tal confusão até poderia ter ocorrido, fruto de má técnica legislativa, ou, até mesmo, por não se haver evoluído a ciência constitucional da época, o fato é que, modernamente, autores renomados como Maria Helena Diniz, acabam por optar, mesmo na seara jurídica, pela utilização da expressão cidadania, na sua acepção emprestada da ciência política, por melhor abranger a idéia que se busca representar com o termo.

Não é por outra razão, que a douta civilista, em seu Dicionário Jurídico, já dedica um verbete ao assunto, definindo-a do seguinte modo: "Ciência Política. Qualidade ou estado de cidadão; vínculo político que gera para o nacional deveres e direitos políticos, uma vez que o liga ao Estado. É qualidade de cidadão relativa ao exercício de prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado Democrático."3

Observa-se, portanto, que, mesmo autores mais modernos, e adotando a acepção derivada da ciência política, apontam no sentido de que o vínculo de cidadania decorreria de uma ligação de um cidadão nacional para com um Estado.

De se verificar, portanto, a partir disso, como a questão pode ser articulada, diante de nosso sistema jurídico atual, ou seja, se nossa ordem constitucional também se preocupa, ou não, com a questão sob o tema analisado.

 

 

REGIME JURÍDICO ATUAL

 

 

Num primeiro momento, e em confronto com tudo quanto exposto nos itens anteriores, pondera-se que a atual Carta Política brasileira, de 05.10.1.988, com suas emendas, estendem várias destas garantias, não só aos cidadãos nacionais, mas a pessoas residentes e domiciliadas no país (ainda que não nacionais).

Daí resulta a primeira grande dificuldade do tema, concernente na aferição da garantia formal do Estado brasileiro, organizado nos termos preconizados pelo legislador constituinte como um Estado democrático de direito, garantindo direitos e garantias individuais não só a seus cidadãos (pessoas a quem se confere o atributo de cidadania), como também, por extensão analógica, a todos aqueles que se encontram domiciliados em território nacional (artigo 5° da Constituição Federal ).

Com efeito, a cidadania implicaria, então, num feixe de direitos (e, portanto, de prerrogativas) típicos da condição de cidadão, numa acepção ampla (lato sensu), posto que, conforme é cediço, dentro de uma lógica rigorosa do ordenamento jurídico, cidadão seria somente o eleitor, ou pessoa dotada de poderes políticos, enquanto que nossa ordem constitucional vigente foi mais além, estendendo a proteção a pessoas residentes e domiciliadas no país.

Para a delimitação da cidadania, destarte, devemo-nos ater não só a este aspecto lógico-formal, vez que seria contrasenso acreditar-se que somente os eleitores estariam protegidos pelo texto constitucional.

Ao contrário, tem-se que não só o legislador pretendeu incluir os eleitores, mas também todo e qualquer brasileiro, eleitor ou não, como ainda, por analogia e extensão, todas as pessoas residentes e domiciliadas no território nacional ( ao menos é o que se permite defluir da norma contida no artigo 5°, "caput" da nossa atual Carta Política, ao traçar o rol dos direitos e garantias fundamentais, prerrogativas típicas da cidadania ).

E, se o constituinte assim deliberou, o foi em razão do fato de se pretender excluir toda e qualquer inclinação totalitária ou arbitrária que o governo da então chamada "Nova República", pudesse vir a ter.

Aliás, como assinala o eminente Celso Lafer, tecendo comentários sobre a obra de Hannah Arendt, uma das marcas predominantes de um governo totalitário, que, inclusive, o diferenciaria de um governo arbitrário, seria a redução dos limites de proteção aos direitos e garantias individuais, chegando, inclusive, a cometer uma das piores formas de abuso contra a dignidade da pessoa humana, que vai muito além da perda de sua cidadania, que seria a perda da sua nacionalidade, não mais se submetendo o indivíduo a qualquer regime político formal, dos países nacionais, ficando à margem do ordenamento jurídico e, portanto, da sua proteção.4

Justamente com essa preocupação, se buscou, na redação de nossa Carta Política, atentar para tal circunstância, estendendo-se a proteção do ordenamento jurídico, sobretudo, das conhecidas liberdades públicas (direitos e garantias fundamentais), corolário do arcabouço protetivo da cidadania (até porque, sob uma ótica formal, nosso Estado se organiza sob a forma de um Estado Democrático de Direito).

Deste modo, portanto, percebe-se que o conceito tradicional de cidadania, que se adota da ciência política, não esgota o feixe de pessoas abrangidas pela proteção que nosso texto constitucional pretende conferir à dignidade da pessoa humana, seja nacional ou estrangeira, o que impediria a caracterização de um regime totalitário de governo no nosso País (desde que, obviamente, o texto constitucional não padeça do vício da falta de efetividade, o que seria outro problema, a ser enfrentado, quiçá, pelo enfoque sociológico do poliédrico tema, dentro do que se expôs inicialmente).

Tal liame, ademais, faria com que passasse a examinar, ainda sob o método analítico a que se propõe o autor no início desta exposição, a abordar o aspecto poliédrico da expressão "democracia".

E, se a expressão cidadania já seria considerada multifacetária, com maior razão o mesmo se dirá da expressão democracia, matiz conceitual que apresentou as mais diversas significações no decorrer dos limites espácio-temporais.

Com efeito, conforme já advertia Ignácio da Silva Telles, em outro volume da Enciclopédia Saraiva do Direito, a expressão democracia deriva de outras duas, quais sejam, "demos" e "cratos", cada qual com mais de uma acepção.5

Com efeito, segundo o renomado autor, a expressão "demos" possuiria, pelo menos, quatro significações, uma primeira em referência a distrito, país, região ou aldeia, uma segunda em referência ao povo de tal distrito ou região, uma terceira, significando o povo humilde ( ou "common people" como assevera o autor ), e, por derradeiro, uma quarta significação, em referência ao povo constituído por homens livres.

E, de outro lado, a expressão "cratos", em alusão a força, potencialidade ou capacidade, ou com significação de poder político, regra, lei ou, até mesmo, soberania (obviamente para quem aceita a tese de que poderia haver poder soberano antes da "Paz de Westphalia").

Percebe-se, portanto, que, para que se obtenha uma idéia do que possa vir a significar a expressão democracia, devemos nos afastar, o mais possível de sua tradução literal, já composta por termos não unívocos, bastante amplos e imprecisos, por sinal, devendo buscar a essência que se exprime, por trás de tal idéia.

Sobre tal tarefa, de se pedir vênia para continuar a fazer alusão à opinião do mesmo jurista, que, analisando inúmeros conceitos modernos de democracia, chega à conclusão de que a grande maioria das definições gravita em torno de três conceitos-chave, que seriam as idéias de liberdade, igualdade e regime de representação política do povo.

Mas, mesmo tecidas tais considerações, ainda nos deparamos com uma infinidade de adjetivos que podem ser acrescidos à expressão democracia, alterando-lhe, por completo, o sentido que possa vir a dar ao termo, definições essas correntes em copiosa doutrina.

Como um exemplo, poder-se-ia aduzir que o mesmo Dicionário Jurídico da festejada Maria Helena Diniz, ao qual se fez alusão acima, traria, pelo menos, vinte definições de democracia, a que se poderia chegar com a utilização de adjetivos de qualificação (clássica, liberal, direta, indireta, individualista liberal, industrial, liberal, mista, municipalista corporativa, orgânico-corporativa, orgânico-estamental, participativa, pluralista, popular, possível, representativa, semidireta, social e totalitária ou de massa).

Não seria, portanto, tarefa simples, a busca de uma conceituação unívoca de democracia a ser confrontada com a noção de cidadania, motivo pelo qual, entendo deva adotar a noção mais simples de democracia, advinda da ciência política, e que, mesmo assim, já traria em seu bojo, vários elementos diferenciados.

Sobre tal tema, peço vênia, novamente, para me valer da opinião da eminente Maria Helena Diniz, para quem, na obra já citada, democracia, sob a ótica da ciência política, traria, em si, os seguintes significados:

"1. Forma de governo em que há participação dos cidadãos. 2. Influência popular no governo através da livre escolha de governantes pelo voto direto. 3. Doutrina democrática. 4. Povo. 5. Sistema que procura igualar as liberdades públicas e implantar o regime de representação política popular. 6. Estado político em que a soberania pertence à totalidade dos cidadãos."6

 

Opta-se, portanto, por tal definição porque, sobretudo no que se refere à quinta acepção, parece conveniente o sentido protetivo da cidadania, na acepção adotada, ou seja, a democracia enquanto regime que procura igualar as liberdades públicas, implantando-se um regime de representação política popular (embora até se possa aduzir que exista grande carga ideológica na adoção de um ou outro sentido da expressão democracia, o que não se pode evitar, diante da amplitude do tema, e da forma como foi e vem sendo tratado por inúmeros intelectuais e cientistas, das mais diversas matizes ideológicas).

Assim, sob a ótica deste prisma, malgrado os poliédricos aspectos que poderiam ser abordados a respeito do relacionamento dos termos democracia e cidadania, entende-se deva dar maior enfoque à questão da garantia das liberdades públicas e da busca das formas de representação política (o eminente Goffredo Telles Jr., citado por Ignácio Telles, na obra em comento, já assinalava que a democracia seria: "o regime que procura introduzir a vontade dos governados nas decisões dos governantes" o que ressalta a importância desse segundo aspecto).7

Pontuada tal questão, sempre se deve ressaltar que, de acordo com o nosso ordenamento constitucional vigente, a proteção que se pretendeu dar à garantia das liberdades individuais (alcançando não só os cidadãos brasileiros, como também qualquer pessoa domiciliada no país), não se fez acompanhar da respectiva amplitude no que se refere à participação política.

Deste modo, não obstante as liberdades públicas não apresentarem tal discriminação (o que poderia, inclusive, desafiar um dos preceitos maiores mencionados no "caput" do artigo 5° da Carta Política, que seria o princípio da igualdade), o mesmo não ocorreu em relação ao princípio da representação política.

Walter Ceneviva, já abordava a questão da cidadania sob tal ótica, aduzindo que somente se adquiriria cidadania pelo nascimento (e aí variam os critérios em cada país, optando cada qual pelos critérios do "jus sanguinis" e do "jus soli", ou ambos conjuntamente), ou pela adoção da cidadania nos termos da norma contida no artigo 12 e seus consectários da Magna Carta (malgrado se possa perder todos ou alguns dos direitos inerentes à cidadania pela chamada "objeção de consciência" e pela própria naturalização, nos termos das normas contidas nos artigos 15, inc. IV e 12, inc. I, ambos da nossa Constituição Federal).

Tal distinção é importante, posto que, nas acepções de democracia e cidadania adotadas, haverá grande influência da questão da nacionalidade, posto que, se esta não será considerada como fator preponderante na garantia dos direitos e liberdades públicas inerentes à cidadania (será conferida extensivamente a estrangeiros), o mesmo não ocorrerá em relação à participação política, como se vem pontuando.

Com efeito, o mesmo Walter Ceneviva, já enfatiza, ainda que de forma indireta, esse raciocínio, quando pondera que: "Estrangeiro é quem não tendo nacionalidade brasileira, tem, quando residente no País, garantia de inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos definidos pelo artigo 5°, os quais incluem, especificamente o direito de não ser extraditado por crime político (art. 5°, LIII). O estrangeiro sofre, porém, restrições inerentes a essa condição. São proibidos de se alistarem como eleitores (art. 14, par. 2°); a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural são regulados e limitados na forma da lei (art. 190)."8

Na mesma esteira de raciocínio, inclusive, a lição de Alexandre de Moraes, que, de um lado elenca os mecanismos pelos quais far-se-ia a tutela constitucional das liberdades públicas, em referência aos institutos do habeas copus, do habeas data, do mandado de segurança, do mandado de injunção e da ação popular, sem se esquecer do importantíssimo direito de petição ( na acepção constitucional vai muito além do direito de acionamento do Poder Judiciário ), também apontou, com propriedade, outras hipóteses de restrição em relação a estrangeiros, o que se refletirá na harmonização do conceito de cidadania como liame entre pessoas nacionais e o Estado a que estão ligadas.9

E o fez, asseverando que a própria ordem constitucional já asseverou que certos cargos somente poderão ser exercidos por brasileiros natos, excluindo, portanto, brasileiros naturalizados e estrangeiros, como os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, Presidente da Câmara de Deputados, do Senado Federal, Ministro do Supremo Tribunal Federal, membros da carreira diplomática, oficiais das Forças Armadas e Ministro de Estado da Defesa.10

Mas, mesmo assim, arremata o renomado autor, tal situação já representou uma amenização em relação ao rol previsto pela Consituição anterior, no qual a lista de cargos privativos de brasileiros natos era muito maior, o que representaria, sob a ótica da poliédrica questão, que se está a analisar, um aumento da efetiva possibilidade de participação de estrangeiros, através da naturalização, em nossa democracia, o que mais se aproximaria do modelo que o legislador constituinte procurou estabelecer ao dispor a respeito da proteção das liberdades públicas.

         E isso porque malgrado seja forçoso admitir que, não obstante se viva em tempos de globalização, e em que pese nossa posição de globalizados neste processo, certas searas devam continuar sendo privativas, para a garantia da segurança nacional, em que pese, ainda, toda a carga ideológica que possa atribuir a essa expressão, sob pena, de, no campo da geopolítica atual, podermos sofrer ainda mais em desprestígio de nossa já maculada soberania, no que, diga-se "en passant" não estamos sozinhos, tendo a globalização levado à necessidade de reestruturação do conceito de soberania, para adequá-lo às novas exigências (tanto que, atualmente, já não são poucos os que defendem uma flexibilidade, inclusive, de nossas cláusulas pétreas, questão tormentosa do ponto de vista ideológico, a qual não abordarei no presente trabalho, por escapar ao âmbito do exame analítico proposto no preâmbulo).

Embora se deva fazer menção à existência de, pelo menos, duas matizes axiológicas principais, uma de inclinação neoliberal, ansiosa pela supressão das aludidas cláusulas em nome de uma inevitabilidade pretensiosa, privilegiando a aparente estabilidade econômica e outra menos preocupada com aspectos econômicos, e mais voltada à proteção ética (num sentido eudaimonista como preconizado por Aristóteles) da dignidade da pessoa humana, mais afeita à diminuição das desigualdades sociais, até para a garantia da estabilidade interna do Estado (os "mass media" constantemente alardeiam o crescente fluxo da violência que, às mais das vezes é associado à precariedade das condições sociais da população brasileira). 

Prosseguindo, em retomada ao tema proposto, entende-se que ainda se poderia acrescentar ao rol de instrumentos de tutela das liberdades públicas apontadas por Alexandre de Moraes, aquelas ponderadas por Paulo Lúcio Nogueira, na obra "Instrumentos de Tutela e Direitos Constitucionais", posto que, aludido autor, além daqueles mencionados nos vários parágrafos do artigo 5° da Magna Carta faz referência à ação civil pública (inegavelmente utilizada pelo parquet na defesa da cidadania em sentido amplo), à ação direta de inconstitucionalidade (instrumento colocado à disposição do cidadão, que, em tese, pode pleitear providências junto aos legitimados pela Constituição, sobretudo à Ordem dos Advogados do Brasil), para evitar que a legislação infraconstitucional macule a ordem constitucional, desvirtuando a própria noção de legalidade, que seria um dos corolários da democracia não num sentido meramente formal ) e a própria ação de "impeachment", para apurar crimes de responsabilidade do Presidente da República, o que também seria matéria correlata à proteção da cidadania "lato sensu".

Aliás, por derradeiro, pediria vênia para destacar a opinião do eminente José Afonso da Silva, a respeito da eficácia dos direitos fundamentais, para que se tenha a exata dimensão da importância da questão concernente à necessidade de tutela das garantias constitucionais por uma ação declaratória de inconstitucionalidade (a congênere, declaratória da constitucionalidade, conforme é cediço, acaba por beneficiar o Estado em detrimento do cidadão, concentrando a decisão), posto que, neste sentido, como assevera o eminente constitucionalista: "Finalmente, a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais. Os direitos, liberdades e prerrogativas consubstanciadas no título II, caracterizados como direitos fundamentais, só cumprem sua finalidade se as normas que os expressem tiverem efetividade."1

Assim, em linhas gerais, pode-se concluir que, malgrado ainda que historicamente, se tenha pretendido relacionar a proteção da cidadania a uma nacionalidade qualquer (a questão da vinculação do indivíduo a uma ordem jurídica, evitando-se apátridas destituídos de qualquer proteção – tal como evidenciado a grupos étnicos na Alemanha nazista), dependendo da extensão que queira dar à expressão cidadania, ter-se-á que nosso constituinte, até por influxo do clima "pós" Golpe Militar de 1.964 (malgrado alguns insistam em se referir à Revolução de 1.964 em alusão à tecnicidade do termo, emprestado da ciência política) optou por uma interpretação menos dogmática e mais efetiva no que se refere à proteção da dignidade humana, estendendo efeitos da cidadania a pessoas que não seriam tecnicamente cidadãs brasileiras.

Resta, no entanto, aguardar para aferir qual a inclinação a ser manifestada na chamada "reforma" constitucional que o País vem assistindo, desejando-se que não se ocorra um retrocesso, calcado em ondas de inspiração conservadora (ao que parece, o país vivenciaria hoje um movimento menos zetético que o que se instaurou a partir de 1.984, ápice da onda renovadora retromencionada).

 

 

BIBLIOGRAFIA

CENEVIVA, WALTER, DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, 2ª ED. SÃO PAULO, 1.991, EDITORA SARAIVA.

DINIZ, MARIA HELENA, DICIONÁRIO JURÍDICO, VOLUMES 1 E 2, SÃO PAULO, 1.998, EDITORA SARAIVA.

FRANÇA, RUBENS LIMONGI ( COORDENADOR ), ENCICLOPÉDIA SARAIVA DO DIREITO, VOLS. 14 E 23, 1.977, SÃO PAULO, EDITORA SARAIVA.

LAFER, CELSO, A RECONSTRUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, SÃO PAULO, 1.991, EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS.

MORAES, ALEXANDRE DE, DIREITO CONSTITUCIONAL, 7ª ED., SÃO PAULO, 2.000, EDITORA ATLAS.

NOGUEIRA, PAULO LÚCIO, INSTRUMENTOS DE TUTELA E DIREITOS CONSTITUCIONAIS, SÃO PAULO, 1.994, EDITORA SARAIVA.

SILVA, JOSÉ AFONSO DA, CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, 17 ª ED., SÃO PAULO, 2.000, EDITORA MALHEIROS.

 

 

1 MACEDO, Sílvio de, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 337, v. 14, São Paulo: 1978, Ed. Saraiva.

2 VALLADÃO, Haroldo, op. Cit., pp. 338/339, v. 14.

3 DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, p. 575, v. 1, São Paulo: 1.998, Ed. Saraiva.

4 LAFER, Celso, A Reconstrução dos Direitos Humanos, São Paulo: 1.991, Ed. Companhia das Letras.

5 TELLES, Ignácio da Silva, op. cit., p. 263, v. 23.

6 DINIZ, Maria Helena, op. cit., p.53, v. 2.

7 TELLES, Ignácio da Silva, op. cit., p. 265, v. 23.

8 CENEVIVA, Walter, Direito Constitucional Brasileiro, p. 90, São Paulo: 1.998, Ed. Saraiva.

9 MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, referências ao conteúdo do Capítulo IV, São Paulo, 2.000, Ed. Atlas.

10 MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 214.

11 SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 467, São Paulo, 2.000, Ed. Malheiros.

 

 

 

 


  1MACEDO, Sílvio de, Enciclopédia Saraiva do Direito, p. 337, v. 14, São Paulo: 1978, Ed. Saraiva.

     2VALLADÃO, Haroldo, op. Cit., pp. 338/339, v. 14.

     3DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, p. 575, v. 1, São Paulo: 1.998, Ed. Saraiva.

     4LAFER, Celso, A Reconstrução dos Direitos Humanos, São Paulo: 1.991, Ed. Companhia das Letras.

     5TELLES, Ignácio da Silva, op. cit., p. 263, v. 23.

     6DINIZ, Maria Helena, op. cit., p.53, v. 2.

     7TELLES, Ignácio da Silva, op. cit., p. 265, v. 23.

     8CENEVIVA, Walter, Direito Constitucional Brasileiro, p. 90, São Paulo: 1.998, Ed. Saraiva.

     9MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional, referências ao conteúdo do Capítulo IV, São Paulo, 2.000, Ed. Atlas.

     10 MORAES, Alexandre de, op. cit., p. 214.

  1SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 467, São Paulo, 2.000, Ed. Malheiros.