Na madrugada do último dia 7, a Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno de votação o texto indicado para a Reforma Tributária, já em versão substitutiva da PEC 45/19. De lá para cá observam-se inúmeras análises publicadas por especialistas e interessados nas redes nacionais, cada qual “pinçando” um aspecto do texto apresentado – que sofreu alteração no próprio dia da votação –, refletindo as doses de emoção e de ansiedade pela compreensão das mudanças.
De fato há um caminho traçado; mas o texto que agora segue para a apreciação e votação pelo Senado Federal deixa em aberto muitos elementos que ficaram atrelados à regulamentação futura pelo legislador complementar – a exemplo das próprias alíquotas, responsáveis por medir o quantum a pagar dos novos tributos criados: a CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços, que substituirá o IPI, o PIS e a COFINS) e o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços, que substituirá o ICMS e ISS), que formam a espinha dorsal desta Reforma.
Nesse contexto, as projeções de “como será” e “o que se poderá fazer” terão de aguardar as cenas dos próximos capítulos, que, inclusive, poderão ser inteiramente reescritos pelo Senado Federal. E se assim se der, a Reforma terá de retornar para nova apreciação da Câmara dos Deputados. Mas se a votação seguir em flow pelo Senado, o passo seguinte será a promulgação, e, após ela, um novo ciclo legislativo para a edição das Leis Complementares indicadas no texto da Emenda Constitucional.
Então por ora os registros terão os contornos da “foto” e não do “filme”! E a foto da estrutura é clara: a CBS e o IBS prometem simplificar (consolidação das 27 legislações de ICMS e 5.569 de ISS) dar transparência ao sistema tributário nacional e reduzir a incerteza fiscal por preverem iguais
• fatos geradores: incidirão sobre operações nacionais e importações, sejam com serviços ou bens materiais ou imateriais, entre eles locações, licenciamentos, disponibilização e cessão de direitos ou uso;
• sujeitos ativos: serão devidos ao Estado de destino da operação, conforme critérios a serem definidos em lei complementar, tais como o local da entrega, da disponibilização ou da localização do bem, o da prestação ou da disponibilização do serviço ou o do domicílio ou da localização do adquirente do bem ou serviço, admitidas diferenciações em razão das características da operação;
• bases de cálculo: valor das operações e não incluirão a CBS e o IBS;
• sujeitos passivos: todos aqueles que praticarem os fatos geradores, incluindo a pessoa física na importação, e nesse caso independentemente da finalidade do bem importado;
• regimes específicos ou diferenciados: para combustíveis, lubrificantes, serviços financeiros, bens imóveis, planos de assistência à saúde, concursos de prognósticos, compras governamentais, hotelaria cooperativas, parques de diversão e parques temáticos, restaurantes, aviação regional, manutenção do Simples Nacional e da Zona Franca de Manaus; diferimento do imposto nos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação;
• não cumulatividade: permitirá a compensação do tributo cobrado na aquisição de bem/serviço material ou imaterial havida no elo anterior da cadeia (com exceção das operações isentas ou para uso/consumo pessoal) para evitar a tributação em cascata.
A CBS e o IBS poderão ter a compensação restrita pelo legislador complementar, que poderá determinar a comprovação do recolhimento do tributo incidente na etapa anterior (e não apenas o pagamento de ambos no preço pelo adquirente).
Para as pessoas físicas, a não cumulatividade estará representada pelo Cashback a ser definido em Lei Complementar, podendo assumir a figura de créditos presumidos para aquisições de produtores rurais e transportadores autônomos, extensível para bens móveis usados para revenda;
• créditos: a forma e o prazo para ressarcimento de créditos acumulados pelo contribuinte serão definidos em lei complementar;
• alíquota referencial será fixada pelo Senado e caberá aos Estados, Distrito Federal e dos Municípios a definição da própria alíquota com base no referencial (para o IBS, a alíquota será a soma das alíquotas dos Estados e dos Municípios);
• alíquota reduzida em 60%, conforme disposição em lei complementar, para serviços de educação, saúde; dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário, ferroviário e hidroviário (Caráter Urbano, Semiurbano, Metropolitano, Intermunicipal e Interestadual); Produtos Agropecuários, Pesqueiros, Florestais e Extrativistas, Vegetais In Natura; Insumos Agropecuários, Alimentos Destinados ao Consumo Humano e Produtos de Higiene Pessoal, Produções Artísticas, Culturais, Jornalísticas e Audiovisuais Nacionais e desportivas; bens e serviços relacionados à segurança e soberania nacional, segurança da informação e segurança cibernética;
• alíquota zero, conforme disposição em lei complementar, para produtos da Cesta Básica Nacional de Alimentos; cesta para dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência; medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual; produtos hortícolas, frutas e ovos; exportação de bens e serviços; serviços ligados ao Prouni; serviços beneficiados pelo PERSE (só a CBS), entre outros.
Além dos aspectos da CBS e do IBS resumidos acima, o texto aprovado pela Câmara também trouxe a previsão:
• do IS – Imposto Seletivo, que incidirá sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, a serem determinados em Lei. O IS integrará a base de cálculo do ICMS, ISS, IBS e CBS;
• de incidência do ITCMD (i) com alíquotas progressivas (até 8%) por faixa de valor do quinhão de sucessão ou da doação destinada ao herdeiro e donatário, respectivamente; (ii) que deverá ser pago ao Estado onde residia o “de cujus” na data do falecimento; e (iii) sobre bens deixados por doador estrangeiro e também bens situados no exterior – independentemente de edição de Lei Complementar (entrará em vigor com a promulgação da Emenda Constitucional);
• de atualização da base de cálculo do IPTU por meio de Decreto do Executivo, conforme critérios estabelecidos em Lei Municipal;
• do IPVA incidente sobre veículos terrestres, aquáticos e aéreos, com exceção das aeronaves agrícolas; embarcações para prestação de serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física/jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência; plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios; e tratores e máquinas agrícolas. Destaque-se que aos Estados foi autorizada a cobrança de alíquotas progressivas conforme o impacto ambiental deixado pelo veículo.
São muitas mudanças e a expectativa do aumento de carga tributária para alguns setores e contribuintes parece inevitável, a exemplo do setor de serviços; o que, no projeto, foi justificado em nome do equilíbrio para a manutenção da carga tributária total (alguns setores ganharão com a cumulatividade de créditos, outros não). Todavia, neste momento há apenas referências a estudos econômicos que se acredita serão debatidos pelo Senado. A sociedade torce para que os efeitos sejam ponderados para um equilíbrio justo
Se ao final aprovada a Reforma, os prazos previstos para a transição das novas regras englobaram a análise pelo Senado e também o ciclo legislativo anunciado para os itens não definidos neste momento – deixados para a regulamentação em Lei Complementar. O IBS e a CBS passarão a ser cobrados em 0,1% e 0,9%, respectivamente, apenas em 2026, e atingirão a totalidade da carga, com a extinção de todos os tributos substituídos em 2032.
No entanto, as demais mudanças aplicáveis aos tributos em vigor (IPVA, ITCMD, IPTU) já poderão entrar em vigor com a promulgação da Emenda Constitucional. Aliás, a promulgação também dará início ao prazo de 180 dias previsto para a apresentação de novo projeto de Lei para a reforma da tributação sobre a renda, anunciado pelo texto aprovado pela Câmara.
Autora:
Rafaela Franceschetto é Sócia da área Tributária do Fas advogados