O judiciário Brasileiro tem se deparado com o crescimento de ações discutindo a possibilidade de cobrança de dívidas prescritas e a utilização de plataformas tais como “Serasa Limpa Nome” e “Acordo certo”.
> Essas ferramentas funcionam como intermediadoras entre os consumidores e credores, com acesso voluntário pelo consumidor mediante inserção de dados pessoais e senha previamente cadastrada.
> Até maio deste ano, informações do Mapa da Inadimplência e Negociação de Dívidas no Brasil, formulado pelo Serasa, indicavam que mais de 72 milhões de brasileiros se encontravam em situação de inadimplência. Só em julho deste ano constavam na plataforma 550 milhões de ofertas, totalizando mais de 793 milhões de reais.
> Dívidas prescritas, que podem gerar alguma limitação de contratação com o credor – ainda que não afetem score de crédito do consumidor – são comumente levadas às referidas plataformas. E isso tem gerado discussões no Judiciário. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça já julgou, até maio de 2024, 1.771 casos.
> Se a matéria é tão judicializada, surge a dúvida: pode uma dívida prescrita ser cobrada pelas plataformas mencionadas?
> A prescrição é a extinção da pretensão do titular de um direito. Com sua ocorrência perde o credor o poder de exigir do devedor, coercitivamente, a prática de uma ação ou omissão (cumprimento da obrigação assumida).
> Ocorre que a dívida ainda existe, o crédito ainda é válido. Tanto que o art. 882 do Código Civil estabelece como irrepetível o pagamento de dívida prescrita, evidenciando assim, a existência e validade de um débito não exigível (prescrito).
> O que a prescrição realiza, portanto, é a conversão de uma obrigação jurídica em obrigação natural. Mas não fulmina o direito em si, apenas a “capacidade defensiva” daquele direito em juízo (exercício da pretensão). Nesse sentido, a princípio seria lícita e possível a cobrança extrajudicial de dívidas prescritas. E essa era a posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema (AgInt no AREsp n. 1.592.662/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 31/8/2020, DJe de 3/9/2020; e REsp n. 1.694.322/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de
> 13/11/2017).
> Ocorre que o tema se tornou controvertido nos Tribunais de Justiça da Federação, motivo pelo qual alguns estados ajuizaram Incidentes de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR’s) e Incidentes de Uniformização de Jurisprudência, ambos instrumentos jurídicos de uniformização de jurisprudência no âmbito dos Tribunais de Justiça do país.
> Em relação ao tema Serasa Limpa Nome, existem hoje 6 (seis) IRDRs/IUJs – em tramitação ou julgados – instaurados nos Tribunais de Justiça do Amazonas, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, São Paulo e Santa Catarina, com posicionamentos diversos entre si. Tanto pela admissão da legalidade do procedimento de inscrição em plataformas de cobrança extrajudiciais quanto pelo reconhecimento de que tais inscrições são indevidas.
> Por esse motivo, recentemente o Superior Tribunal de Justiça, em decisão proferida no final de maio deste ano, decidiu pela afetação de três Recursos Especiais (REsp 2.092.190/SP, REsp nREsp 2121593/SP e REsp 2122017/SP) à sistemática dos Recursos Repetitivos, tendo sido estabelecida no acórdão a seguinte controvérsia a ser sanada (Tema 1264): “definir se a dívida prescrita pode ser exigida extrajudicialmente, inclusive com a inscrição do nome do devedor em plataformas de acordo ou de renegociação de débitos.”
> A afetação determinou a suspensão de todos os processos “[...] individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma matéria, em processamento na primeira ou na segunda instância” e suspensão também dos processos “[...] nos quais tenha havido a interposição de recurso especial ou de agravo em recurso especial na segunda instância, ou que estejam em tramitação no STJ”.
> A instauração do procedimento de demandas repetitivas se deu após a fixação, pela Terceira Turma do STJ, de entendimento a respeito da impossibilidade de cobrança de dívidas prescritas (REsp 2.088.100/SP, Terceira Turma, julgado em 17/10/2023, DJe de 23/10/2023). A decisão, contrária ao posicionamento até então adotado pela Corte Superior, trouxe uma controvérsia ainda maior ao tema que já era polêmico. Nesse sentido, algumas decisões no âmbito dos Tribunais Estaduais têm se manifestado contra o conteúdo já uniformizado no TJ do próprio estado, sob o argumento de que o STJ vem decidindo de maneira divergente. É o que vem ocorrendo, por exemplo, no âmbito da Segunda Turma Recursal do Estado do Amazonas (Recurso Inominado Cível Nº 0427616-54.2024.8.04.0001, Recurso Inominado Cível Nº 0654402-59.2021.8.04.0001 e Recurso Inominado Cível Nº 0682513-82.2023.8.04.0001).
> Assim, deve-se acompanhar com atenção o julgamento do Tema 1.264 para que a questão seja definida pelo Superior Tribunal de Justiça, já que o resultado importará em impacto jurídico e econômico relevante para empresários e consumidores, em especial quando a divergência estadual é tão significativa, o que impõe uma dose relevante de insegurança jurídica na adoção das práticas comerciais rotineiras. Até lá, nada resolvido.
> Anna Carolina Gouveia Marques Silva e Nathalia Mariah Mazzeo Issa Vieira, ambas advogadas do Consultivo Cível do Mandaliti Advogados.
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